O Rio da Prata está em apuros. Localizado nos múnicipios de Jardim e Bonito e conhecido nacionalmente pela sua beleza cênica e por ser o principal contribuinte (de maneira relevante) para que a cidade de Bonito fosse premiada inúmeras vezes como melhor destino de Ecoturismo do País, o rio corre sérios riscos.
A exemplo dos rios Formoso e Mimoso, o Prata tem suas nascentes localizadas em um banhado. Nos últimos 10 anos, esse banhado foi drenado para expansão da produção de grão e pastagem. Foram construídos, em uma única fazenda, cerca de 50 quilômetros de drenos. As imagens veiculadas nacionalmente sobre os fatos que mostraram águas turvas, inviabilizando a prática do turismo, chocaram o País.
Para conter esse desastre, que coloca em risco a sobrevivência do rio, o Ministério Público, após ação eficiente da Polícia Militar Ambiental, ajuizou ação pedindo o fechamento dos drenos, a condenação dos culpados a reparar os danos e a paralização das atividades agropecuárias no local. Para subsidiar a ação, contribuímos com um parecer técnico inquestionável sobre a importância dos banhados assinados pelo professor doutor Arnildo Pott, um dos especialistas mais respeitados do País com relação à botânica, Valle Pott e equipe. Ao fim da visita a campo, no parecer, eles descrevem: “(...) Após as alterações, é considerável a redução da água superficial e o stress da vegetação nativa. Cerca de mil hectares foram drenados, extinguindo a vegetação de vereda existente. Os danos ambientais são de vários tipos, no espaço e no tempo, em cadeia (...) a drenagem tem as seguintes consequências danosas ao ecossistema desses banhados: Diminuição do estoque de água, responsável pela perenização dos afluentes e do próprio do Prata”.
Relata ainda o professor que o banhado cumpre um papel estratégico de esponja e caixa-d’água e com seu solo orgânico retém gás carbônico.
No aspecto perda de biodiversidade: O rebaixamento do nível de água no solo provoca modificações na vegetação que resultam em supressão, com grande perda de diversidade de espécies vegetais, o que é agravado pelo cultivo agrícola. No local, são arroladas 138 espécies de plantas registradas de 44 famílias, assinalando-se 77 espécies que são de vereda, além das aquáticas e/ou de campo úmido, e 35 de terreno drenado.”
O prejuízo à biodiversidade de flora e fauna é inquestionável e o parecer recomenda interdição das áreas para recuperação dos passivos, pois, a continuidade do uso contribuía para o assoreamento, turgidez da água e coloca em risco o reabastecimento do rio por ser nascente e assegura a perenidade das águas cristalinas.
Com um laudo consistente e claro como este, o MP ajuizou a ação e, juntos, acreditamos até então que a decisão do Judiciário seria uma grande vitória para sociedade. Surpreendentemente, na decisão datada de 18 de janeiro de 2018, a juíza optou por determinar que no prazo de 60 dias os proprietários, diga-se de passagem, moram fora do Estado e desconhecem a realidade do município, regularizem a área e os drenos, restringindo o uso de mil hectares do brejão do Prata, dos 4 mil necessários. Uma esperança.
Passados quatro meses, os proprietários recorreram da decisão, utilizando-se de competências reconhecidas no direito ambiental. A defesa alegou que o banhado não tem nenhuma relação com o Rio da Prata, muito menos que é uma nascente e não possui olhos d’água. Uma nova decisão, após o recebimento da defesa, no dia 21 de maio de 2018, revogou a restrição do uso dos mil hectares e ainda permitiu a retomada das atividades agropecuárias, baseado nas informações do órgão ambiental.
Não bastasse o laudo do professor Arnildo, um fato complementar relevante a ser registrado é a iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, que emitiu um documento claro, por meio da Portaria nº 421, de 6 de novembro de 2017, o qual recomenda ao Estado e ao município que se tomem providências com relação à transformação dos banhados do Prata e do Formoso, em áreas de proteção e a criação de um corredor ecológico que os proteja em função da sua importância para proteção da biodiversidade. Em respeito ao pacto federativo e acreditando na iniciativa responsável dos governantes locais, o governo federal motiva o gesto, pela lógica do valor que Mato Grosso do Sul e Bonito têm com o seu ativo biológico.
Me parece que, a despeito do esforço dos técnicos, ONGs, o Ministério Público e alguns ruralistas, os fatos nos levam a uma conclusão: o Rio da Prata foi condenado. “E assim chegamos ao estado atual, em que nossas ações se chocam contra nossos deveres e direitos, comprometendo nosso próprio destino”. A frase acima foi extraída da tese de doutorado de um dos advogados de defesa dos proprietários da fazenda em pauta. Não me parece o argumento compatível com a realidade da prática profissional. Assim, resta-nos uma instância jurídica superior de esperança, o tribunal. Ainda não perdi a esperança, mas não posso deixar de recomendar àqueles que não conhecem a beleza do Prata que o façam antes dos seus últimos dias, caso este seja condenado ao seu próprio fim.