OSCAR ROCHA
O que eventos culturais como a Festa Literária de Paraty (Flip), realizada anualmente na cidade turística do Estado do Rio de Janeiro, a Jornada Literária de Passo Fundo, que acontece há três décadas no interior do Rio Grande do Sul e o Festival de New Orleans, tradicional encontro musical e gastronômico – tendo como palco famosa cidade americana – têm em comum com o Festival América do Sul (FAS), realizado pelo sétimo ano consecutivo em Corumbá, cuja programação deste ano iniciou na quarta-feira e termina amanhã? Na opinião de alguns convidados desta edição, se a iniciativa sul-mato-grossense ainda não tem reconhecimento nacional – e mesmo internacional –, no quesito participação popular a atração local se iguala, ou supera, em alguns aspectos, as maratonas culturais citadas.
"A Flip tem toda aquela pompa, mas em termos de participação popular é quase nula, é uma coisa mais de elite. Em Corumbá, a presença é realmente popular, com pessoas de todas as idades, é para todo mundo realmente", disse ontem pela manhã o escritor paulista Ignácio de Loyola Brandão, ao término do "Quebra-Torto Literário", realizado no Pátio do Moinho Cultural. "Frequento vários eventos culturais, em diversos pontos do País, e não vejo muito a mesma recepção daqui. Algo semelhante acontece na Jornada Literária de Passo Fundo, mas para chegar no atual estágio, esse evento foi se solidificando ao longo de 30 anos. Estive aqui em Corumbá há cerca de quatro anos e noto a diferença com relação ao festival daquele período, achei que ficou mais maduro. Com certeza, escreverei uma crônica na coluna que tenho no jornal ‘O Estado de S. Paulo’, na semana que vem, sobre o festival ", prometeu.
Os elogios ao perfil do festival também são feitos pelo diretor de Atividades Culturais da Fundação Memorial da América Latina, Fernando Calvozo, destacando a busca pelo intercâmbio entre os países latino-americanos. "O que existe em alguns lugares são jornadas culturais específicas, como o festival de teatro ou artes plásticas, mas não como este, em que áreas distintas têm espaço. Por exemplo, o Rio Grande do Sul tem o Festival Califórnia de Música, mas é uma celebração da música dos pampas com milonga, chamamé e outros", aponta Fernando.
Parceria
Desde o ano passado, a curadoria do FAS passou a ser compartilhada pelo Governo do Estado e a Fundação Memorial da América Latina, sediada em São Paulo, que tem extensa programação de arte e cultura latino-americana. É desta experiência que o Festival de Corumbá dispõe. Em 2009, o Memorial selecionou nove atrações; agora, quatorze. A tendência, segundo Fernando, é a cada ano enfatizar um aspecto cultural. Em 2010, é o aspecto intelectual o centro das atenções. A presença da uruguaia Glória Levy é prova disso, segundo Fernando. "Ela é uma intelectual que atua no eixo Uruguai, Argentina e México; no Brasil, o máximo do lugar onde esteve foi São Paulo. É uma pessoa de importância muito grande na cena teatral do continente".
O ator Hilton Viana, que se apresentou ontem no Quebra-Torto Literário, visivelmente emocionado, também elogiou o objetivo do festival. "É muito bom ter um local onde se divulga a produção cultural, abrindo espaço para várias manifestações". Com relação específica ao Quebra-Torto, Zuza Homem de Mello, que participou na quinta-feira, disse que a união de gastronomia e cultura é algo que não tem como dar errado, e citou o Festival de News Orleans, que também abre espaço para apreciação de iguarias locais. "Música, literatura e comida são coisas que proporcionam muito prazer, é muito interessante que sejam apresentados no mesmo espaço".
Fernando Calvozo planeja, para o próximo ano, a participação de um grupo teatral representativo da América do Sul.
Poesia e música
No segundo dia do Quebra-Torto com Letras, a poesia brasileira e as composições eruditas e populares foram as atrações principais. Hilton Viana selecionou textos de poetas de vários períodos, como Mário de Andrade, Casemiro de Abreu, Gonçalves Dias, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e até letra de uma canção de Roberto Carlos. Também houve momento para "causos e histórias populares", provocando risos dos presentes. Na parte musical, executada pelo violonista Luciano Braz, o repertório passou por Heitor Villa-Lobos, Bach, entre outros. Antes, o escritor Augusto César Proença, que lançou o livro "Rodeio a céu aberto – a bravura do pantaneiro", falou sobre o passado e o presente no Pantanal.
Um dos momentos divertidos foi quando o escritor Ignácio de Loyola Brandão questionou a origem do nome "quebra-torto". Depois de várias tentativas para explicar, uma participante de origem argentina o fez. Em virtude da longa cavalgada, o cavaleiro, com fome, começa a se curvar sobre o cavalo; comer algo significaria "quebrar o torto". A participação causou recepção calorosa.
Hoje, às 8h, haverá a última edição do "Quebra-Torto", com participação da filha da poeta Cora Coralina, Vicência Bretãs Tahan, além de lançamentos de livros de autores sul-mato-grossenses.