Há correlações e diferenças marcantes entre a conduta psicopática e a prática político-ideológica totalitária. Mas vamos por passos, até em respeito ao leitor que não é obrigado a conhecer tais conceitos. “Conduta psicopática” seria a atuação destituída de escrúpulos, sem quaisquer considerações com a verdade, moral e sentimentos alheios, visando objetivos exclusivos e imediatos do sujeito. A prática psicopática tende a ser muito objetiva, na medida em que passa por cima de obstáculos que os “normóticos” contornam, evitam, respeitam. Costuma ter muito sucesso inicial, o que dá impressão de collorida inteligência. Com o tempo, as mascaras vão caindo, as contradições aparecem e o sucesso inicial resulta em decepção e fracasso. Tancredo Neves, um sábio brasileiro, tinha um ditado que resumia esse fenômeno: “Na pataca do velhaco, o diabo tem um terço”. Ou seja, parte da maldade sempre se volta contra o seu autor.
No roteiro para realização de suas satisfações, os instrumentos mais notáveis são a simulação, sedução, mentira e a violência. Querem a riqueza e o poder apenas como instrumentos para ter acesso aos prazeres do mundo, inclusive a droga. O poder, em si, não os seduz. Como têm tendência depressiva, a cocaína é a droga que mais os satisfaz. Todos eles têm uma “deficiência afetiva”, ou seja, não amam, não estabelecem laços duradouros, não entendem o que é isso. Seduzem, manipulam, usam e jogam fora o que já não os serve. Quando buscam o poder é para obter riqueza e tudo o que ela pode dar. Como não sentem culpa, não têm arrependimento e não mudam sua conduta. Podem ser vistos como seres que vivem em um outro mundo, participando do nosso apenas para a busca do prazer material e sexual.
Quanto à militância totalitária, é aquela que tem como objetivo o controle total da sociedade, passando pelo poder e o terror estatal, pela supressão das liberdades individuais em nome do coletivismo e, consequentemente, eliminação das diferenças. Assim foi com todas as sociedades que foram submetidas ao poder totalitário, seja ele o fascista ou o socialista. Tais características se impõe como conseqüências inevitáveis do historicismo marxista leninista, também dito socialista. Conforme essa visão a História tem um sentido, uma marcha inevitável que seria a marcha da humanidade e quem a esse sentido histórico se contrapor estaria contra a História, contra a humanidade. Alimenta tais concepções a noção de que os fins justificam os meios. Portanto, a verdade, a moral seriam validados como instrumentos do historicismo e pelas ações que instrumentalizem a “marcha da História”. Ao se imbuir de tais noções e conceitos, o militante se torna um “agente da História” diante do qual a verdade e a moral se curvam humildemente. Não existem mentira ou crueldade, mas apenas “práxis”. Como tal, o sujeito sai do anonimato e rompe com suas dificuldades de autoestima ou sentimentos de insignificância: torna-se um agente da história que a tudo pode pela causa sagrada. Daí se justificam o terror, inclusive do Estado, a corrupção, a negação absoluta dos fatos, da verdade. Neste ponto, a prática do militante totalitário se iguala à do psicopata, embora com maior potencial destrutivo. O psicopata toma o que deseja, agride se para isso for necessário, ponto final. O totalitário julga-se no direito de impor sua verdade, zerar seus direitos e destruí-lo como pessoa, porque você é um obstáculo à evolução da humanidade para o socialismo, você é um “lixo da História”. Assim tem sido, é e será, onde quer que seja. Tal como a droga psicotrópica transforma os espíritos sofridos por lesões em sua auto estima, em super homens, a ideologia totalitária faz exatamente o mesmo com seus militantes: tornam-se deuses. Diante deles a verdade, a moral, a dor alheia, tudo é mero instrumento da causa. É uma droga “histórica” difícil de abandonar, pois, como voltar a ser um mortal comum, após conviver com os deuses do Olimpo, sendo um deles?
Bem, leitor, pra quem entende, um pingo é letra. Que o amigo durma bem e vote melhor ainda. O voto tem sido um ótimo remédio contra os pesadelos da História. Amém.
Valfrido M. Chaves, Psicanalista [email protected]