Dados da Polícia Civil mostram que 12 mulheres são vítimas de violência doméstica, em Mato Grosso Sul, diariamente. Entre 1º de janeiro e ontem, foram 832 casos. A média é a mesma do ano passado, quando 4.453 agressões contra mulher ocorreram dentro de casa. Maior parte, 26,4%, em Campo Grande. Uma das vítimas é *Camila. Sete anos foram mais que suficientes para marcar a vida dela para sempre. Entre agressões verbais, físicas, psicológicas e, até mesmo, ameaças de morte, a mulher que queria apenas “paz” encontrou o “inferno”, como ela mesma relatou. Em busca de um relacionamento feliz, a costureira tentou “consertar” o marido durante os anos em que conviveu com ele. Hoje, ela vive escondida, com medo de novas agressões. “Mudei tudo na minha vida. De casa, de amigos. Tive que recomeçar para ele não
saber onde moro”.
Mais de 80% de todos os registros que chegam até a polícia, segundo especialistas, são de maridos e companheiros que violentam as esposas. O restante se refere a enteados, parentes e até filhos agressores. *Camila teve o desprazer de ser uma das que são vitimadas não apenas pelo esposo. “Desde o começo do relacionamento ele bebia muito, era alcoólatra. Daí ele quebrava tudo dentro de casa, me mantinha dentro de casa, mas não encostava a mão em mim. Mas daí os filhos dele começaram a me agredir”, contou. As agressões por parte dos enteados começaram quando ela os denunciou por maus-tratos contra o próprio pai. “Ele era vítima dos filhos e eu fui à polícia. Depois que eu procurei a delegacia, virei vítima de mais três”, lamentou, lembrando que os filhos de seu ex-marido queriam que ela retirasse a queixa que havia feito.
Aos 48 anos, *Camila está há apenas um ano longe da violência doméstica. Apesar de sofrer com agressões verbais e psicológicas desde o início do relacionamento, nos dois últimos anos de convivência é que a situação, conforme ela, “ficou mais grave”, chegando ao ponto de ser violentada fisicamente. “Eles quase me mataram”. Ela procurou ajuda no Centro de Atendimento à Mulher em Situação de Violência “Cuña Mbaretê”, onde passou a ser assistida com acompanhamento psicológico, jurídico e social. Só com esse apoio, ela conseguiu sair do ciclo de violência. Mas não foi do dia para a noite. “A medida protetiva é necessária, mas muitas vezes acaba sendo prejudicial. Depois que eu procurei ajuda, eu fui agredida mais cinco vezes e sofri até uma tentativa de homicídio”.
A costureira relatou que a maior parte das agressões física ocorria depois que o marido e os enteados bebiam, o que era frequente. “Eles me agrediam xingando, com faca, ferramentas, socos”, disse. Atualmente, “escondida” do ex-esposo e dos enteados, ela está “recomeçando” e vai voltar a costurar. “Eu não tinha condições psicológicas de recomeçar. Não sabia como buscar apoio. Agora já me sinto mais preparada”. Para *Camila, depois de ficar quase 20 anos sozinha, após a separação do pai de seus três filhos que moram em Minas Gerais, a carência foi um dos ingredientes que a fez “encarar” um relacionamento fadado ao fracasso. “Vivi muito tempo sozinha. E de repente a carência bate mesmo e faz você se envolver sem pensar. Porque a gente sabe quando não vai dar certo, mas a gente tenta fazer funcionar e mudar a situação. Queria sossego e paz e acabei me atirando no inferno”, ensina.
* Nome fictício. A vítima quis preservar sua identidade.