Ruas costumam ganhar nomes que inspiram, como Liberdade, ou que reverenciam quem inspirou. Que tipo de homenagem traria a Onze de Setembro, ruela de dez esquinas no classe média Itanhangá? “Eu acho que é em minha homenagem, porque eu sou contra o Bush”, opina Zaira Catarina Portela, 81 anos ― metade deles no mesmo endereço. Quando chegou ao lugar, três décadas antes do atentando terrorista que estarreceu o mundo e fez norte-americanos mostrarem os dentes aos árabes, as cartas já chegavam endereçadas com esse nome. Então, concluímos que não há onda contrária aos Estados Unidos por lá? Mais ou menos: “Eu não gosto de americanos, nem do Bush”, diz Zaira, “porque ele fazia muita maldade para o mundo. O Obama é diferente, porque ele é mimoso, ama a família e tem muito coração”, defende a professora aposentada, eleita vereadora por dois mandatos em Ponta Porã.
À noite, a Onze de Setembro não tem atrativos. De dia, tampouco. Algumas portas comerciais começam a se abrir para clientes em busca de imóveis e outros serviços, mas famílias ainda são maioria. O pouco movimento de carros aproveita o acesso ao centro da cidade, com menor tráfego. O paraguaio Arsênio Ortiz, “de 60 e poucos”, recebe um ou outro interessado em cortar o cabelo e fazer a barba. “Hoje é muito fácil se barbear em casa, com esses aparelhinhos de plástico que vendem em supermercados...”, diz, em compreensível desprezo pelos “aparelhinhos”.
Sabe por que o nome da sua rua, Ortiz? “Não, nem sei”, solta, espreguiçando-se na cadeira de fio no canto do salão. Agora que os homens diminuíram as idas ao barbeiro, sobra tempo para cochilos ao pé de televisão. E por falar nela: “Já passou muita gente da televisão aqui”, conta o barbeiro, “os daquela novela que se passava no Pantanal vinham aqui cortar e, esses tempos, umas meninas fizeram um trabalho comigo e ganharam primeiro lugar”.O cartão de visita está na parede: a nota de compra das suas duas cadeiras data de 1934. As relíquias custaram R 1640 $ 000 ― era assim que se escrevia 1,64 milhão de réis, o bisavô do real, que circulou de 1833 a 1942.
Ortiz e Zaira, que adora novelas, são velhos conhecidos. Viveram em Ponta Porã, quando a erva-mate tinha mais fôlego do que o comércio de bugigangas eletrônicas paraguaias. “Meu pai era produtor lá”, lembra a ex-professora, que fala em pausas estudadas. Sentada no sofá da sala, ela coloca as mãos nos joelhos quando a conversa toma corpo, e junta-as no ar, em forma de gancho, para dizer que “os americanos sugaram a Latinoamérica”. Aos 81, ela não tem pressa para falar, mas tem para morrer. Dito assim, de maneira direta, parece deseducado com a frágil e receptiva senhora, até beira o mau agouro; mas, como para ela “morrer é trocar de dimensão”, posso afirmar que esse é um desejo de boa viagem, como as homenagens prestadas aos mortos nas placas das ruas. A Onze de Setembro, ao contrário dessa regra póstuma, comemora um nascimento.
Na Campo Grande do século passado, chácaras se formaram na beira dos córregos e as famílias cresceram em terras férteis. A urbanização tornou necessária a divisão em lotes, que viraram quarteirões de bairros tradicionais, formados por ruas que contam a história da cidade. Em uma dessas chácaras, o mineiro Theotônio e Teresa Rosa Pires criaram seus filhos. Um deles, Diomedes, nasceu em 11 de setembro. O pai, satisfeitíssimo com a chegada do garoto, lhe deu de presente uma rua, ou melhor, tornou a rua da então Vila dos Rosa Pires memória de seu nascimento. Mas, para quem passa por ali, parece mais um nome de rua em homenagem aos mortos. E o engano não é descabido: Diomedes, como os milhares de cidadãos honrados que viraram nome de rua, morreu há quase duas décadas.