Conforme amplamente divulgado pela mídia estrangeira e nacional, cientistas italianos querem criar uma raça bovina semelhante ao Auroque, um boi primitivo que media dois metros de altura, pesava uma tonelada e tinha chifres de 1,40m de comprimento! Essa espécie de boi gigante, o Bos primigenius, também conhecido como Uro, surgiu no norte da Índia há dois milhões de anos, e foi declarada extinta em 1627, quando a última fêmea morreu nas florestas da Polônia. A justificativa para a execução da pesquisa é que os italianos acreditam que por ser muito resistente às condições adversas, como frio, calor e pouca oferta de alimento, o Auroque pode ser muito útil para a humanidade em tempos de aquecimento global. (BBCBrasil/FolhaOnline,01/02/10). Para “ressuscitar” o boi gigante, os cientistas do Consórcio para Experimentação, Divulgação e Aplicação de biotecnologia Inovadora de Benevento, no Sul da Itália, cruzaram inicialmente três raças de bois com DNA similares ao do Auroque: a italiana Maremmano Primitivo, a escocesa Scottish Highland e a espanhola Pajuna. O nascimento do primeiro exemplar desse cruzamento deve ocorrer agora em fevereiro, na Holanda. O diretor do Consórcio que encabeça o projeto, Donato Matassino, explicou: “Vamos reconstituir, passo a passo, a combinação genética do boi primitivo. Esse é um primeiro cruzamento de uma série. O animal recém-nascido vai nos dar material para usar em futuros cruzamentos”. E completou: “Vai levar alguns anos para se chegar ao animal mais próximo do boi ancestral” (BBC Brasil, 01/02/10). É evidente que a pesquisa levada a cabo pelos cientistas italianos é importante, principalmente no seu aspecto histórico/cultural/arqueológico. Afinal, fósseis encontrados na Itália, por exemplo, revelaram a presença do Auroque no continente no período neolítico, ou seja, entre 7 e 4 mil anos a.C, e a passagem do animal pela Europa está registrada em pinturas rupestres, nas cavernas de Lascaux na França e de Altamira na Espanha. Conta-se, inclusive, que em sua narrativa das guerras gaélicas, o líder romano Júlio César descreveu o boi primitivo como “um pouco menor que um elefante, mas de cor, aparência e formato de um touro”, e “sua força e velocidade são extraordinárias”. E até os nazistas tentaram ressuscitar o Auroque, por acreditarem que por causa de sua resistência poderiam utilizá-lo para habitar os territórios conquistados no leste europeu. Outra justificativa para a execução da pesquisa, segundo os autores, é que embora existam hoje raças bovinas de criação intensiva que produzem mais leite e carne do que o Auroque, elas exigem pastagens e cuidados muito mais complexos do que os do boi troglodita! (Globo.com, 01/02/10). Mas apesar de reconhecer a importância de “ressuscitar” o boi primitivo, por ele ser um animal rústico, pouco exigente na alimentação e resistente às intempéries do clima, não se pode, a priori, preconizar o seu retorno ao mundo pecuário atual, sem saber dos motivos que o levaram à extinção há cerca de 400 anos! Se conforme a teoria da evolução e seleção natural (Charles Darwin/Wallace,1859), indivíduos melhor adaptados ao meio têm maiores chances de sobreviver, é muito provável que o Auroque, a exemplo dos dinossauros, mamutes, e outras espécies animais extintas no passado, devido ao seu tamanho avantajado, foi presa fácil de predadores da época (inclusive do homem!), o que contribuiu para o seu desaparecimento da face da Terra. Isto significa que a despeito de sua aparente rusticidade e baixa exigência nutricional, é bem provável que devido à sua conformação corpórea exagerada (altura, peso, tamanho de chifres, etc.), o produto que os cientistas italianos pretendem obter ao final da pesquisa – o boi gigante – talvez não seja o padrão desejável de bovino para a pecuária de carne ou de leite dos dias atuais, e nem da próxima década. Na verdade, o que se procura obter hoje, tanto para corte como para leite, são animais relativamente pequenos, compactos, de alta conversão alimentar, pesados sim, mas não gigantes nem chifrudos! Ilustrativo nesse sentido foi a tentativa de proprietários dos touros gigantes ingleses “Chilli” e “The Marshall Field” de inseri-los no livro dos recordes “Guinness”,como os maiores bois do mundo em 2008 e 2009, respectivamente. Ocorre que o “Guinness Book”, para não encorajar a superalimentação de animais, não registra o maior boi do mundo desde 1910, quando foi eleito o boi “Old Ben”, que morreu em Kokomo, no Estado Americano de Indiana pesando 2,1t e medindo 1,95m de altura! (revistagloborural.com.br., 03/12/2008;Redação Terra, 27/12/2009). Por fim, quanto à afirmativa de que a recriação do Auroque pode ser útil para a humanidade em tempos de aquecimento global, ela é, no mínimo, polêmica. Na verdade, o que pode ocorrer é justamente o contrário: por se tratar de um “boi gigante”, tanto o consumo quanto o dispêndio de energia dele devem ser maiores que os dos “bois normais”, o que agravaria ainda mais o aquecimento do Planeta! Em resumo, a grande lição que se pode tirar do estudo dos pesquisadores italianos, talvez seja o que diz um trecho da letra da música de Lamartine Babo (1939), com Eduardo Dusek: “Tamanho não é documento,eu digo sem constrangimento, eu sou pequeno por fora, mas grande por dentro”. Ou, como diria a vovó: “Nos pequenos frascos é que se encontram as melhores essências!”.