Desde 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição brasileira, ou seja, há mais de 21 anos, vigora a determinação para que seja realizado concurso público para nomeação dos titulares de cartórios. Porém, com base numa infinidade de normatizações menores, até hoje são milhares de "donos" de cartórios (7,8 mil, segundo o Conselho Nacional de Justiça) que
se mantêm na função à revelia da lei maior, embora
normalmente protegidos por decisões judiciais
das mais diferentes instâncias. Em Mato Grosso do
Sul, ainda de acordo com o CNJ, 77 cartórios estão
sem titular ou a função é ocupada indevidamente.
E, esta resistência toda em fazer cumprir a
legislação federal tem uma explicação simples. Os "donos"
de cartórios no País inteiro detêm imenso poder,
o que ficou claro já durante o período de elaboração
da Constituição, quando o "lobby dos cartórios" ficou
famoso. E, como todos sabem, o poder político, ou a
força, advém da disponibilidade de recursos econômicos,
na grande maioria dos casos. E, qual a origem
do poder econômico dos cartórários? Exclusivamente
da cobrança de taxas pagas pela população. Mas,
se eles são órgãos públicos, submissos ao Judiciário,
simplesmente não se compreende a razão de o dinheiro
ser embolsado em sua quase integralidade pelos
seus "donos". Ou, se não fosse pela atividade altamente
lucrativa, não haveria razões para tanta batalha
dos cartorários em se manter na função. E, se fosse
para prestar serviços relevantes à sociedade até que
seria compreensível o pagamento destas cobranças.
Porém, qual a vantagem ou o serviço obtido pelo
proprietário ao desembolsar verdadeira fortuna no
momento de fazer transferência de um imóvel, por
exemplo? Na prática, cartórios são, na realidade, sinônimo
de burocracia para grande parcela dos cidadãos.
Então, a Constituição brasileira certamente só
será cumprida a partir do momento em que os cartórios
deixarem de ser máquinas de fazer dinheiro ou
quando a parcela mais significativa destes recursos for
destinada ao poder público. O Judiciário de MS, por
exemplo, acabou de elevar os valores das custas processuais
para manter-se em pé. Se as taxas pagas nos
cartórios realmente fossem públicas, outras cobranças
poderiam ser dispensadas ou reajustes, evitados. Quer
dizer, além de defender o cumprimento da lei no que
se refere ao preenchimento das vagas de titular de cartório,
o CNJ prestaria grande serviço ao País se depois
desta etapa passasse a se manifestar a respeito do valor
das taxas e da pertinência de determinadas cobranças.
Se o Detran (que também é uma espécie de cartório)
controla toda a documentação dos veículos, por que
é necessário que as transferências também sejam registradas
em cartório? Porém, tudo acontece ao seu
tempo. Se foram necessárias mais de duas décadas para
conseguir resolver (apenas em parte) o problema do
preenchimento das vagas de cartorário titular, quem
sabe nos próximos 20 anos o País consiga dar um passo
adiante no que se refere à desburocratização e os
próprios cartórios passem a fazer parte do passado.