Notícia recente veiculada pela mídia local e nacional causou forte impacto entre os brasileiros em geral e sul-mato-grossenses em particular. Em 10 de março último, dois pastores da Igreja Mundial do Poder de Deus foram presos em operação rotineira da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR-262, em Miranda,MS, a cerca de 200 km de Campo Grande, por transportarem sete fuzis M-15 calibre 5.56 de fabricação americana, em um carro com placa de Três Lagoas. Eles iriam se reunir com um terceiro pastor em Campo Grande (que também foi preso depois), para então levar as armas a traficantes do Morro do Martins, em São Gonçalo (RJ). Pelo transporte, o grupo receberia R$ 20mil (Campo Grande News e TV Morena/Globo (11/03/2010); Correio do Estado (12/03/2010). Os pastores disseram aos policiais que voltavam de Corumbá onde haviam promovido cultos religiosos, mas como eles estavam muito nervosos a polícia desconfiou e resolveu fazer uma revista minuciosa. Os fuzis desmontados e envolvidos em material adesivo plástico foram encontrados escondidos em fundos falsos nas portas dianteiras e traseiras e no assento de trás do veículo. Com os pastores foram apreendidos também R$ 2,5 mil que teriam sido entregues pelo fornecedor das armas na Bolívia, para pagamento de despesas de viagem, e R$ 4 mil que alegaram ter arrecadado dos fiéis em Corumbá e Ladário. Os três foram indiciados pelo crime de tráfico internacional de armas e junto com o material apreendido presos na Superintendência da Polícia Federal de Campo Grande. Dois deles são ministros religiosos da Igreja Mundial “A mão de Deus está aqui”, no bairro Vila Nova, de Três Lagoas. Para a Aliança Evangélica Brasileira de Mato Grosso do Sul (AEVB-MS), a prisão dos três pastores demonstra o despreparo de alguns líderes religiosos que acabam não se tornando exemplos de pessoas. De acordo com o pastor Ronaldo Leite Batista, presidente da Aliança, líderes evangélicos, principalmente, devem se pautar “pela lei, pela ordem e orar pela moralidade”. Segundo ele, a Igreja Mundial do Poder de Deus não é associada à Aliança Evangélica, e apesar de defender a liberdade religiosa diz que “é preciso que os líderes tenham preparo teológico e não apenas se denominem pastores” (Correio do Estado, 12/03/2010). Por outro lado, o Apóstolo e líder da Igreja Mundial, Valdemiro Santiago, disse em programa de TV que os traficantes presos no MS não são pastores de sua Igreja, mas se forem devem ser condenados e mandou um duro recado à TV Globo (O Galileo,15/03/2010). No blog “Púlpito Cristão”, Leonardo Gonçalves (12/03/2010) compara o episódio sul-mato-grossense a outro veiculado no “Estadão”, em 2003. Naquele caso,o bispo evangélico Waldemiro Santiago de Oliveira, de 39 anos, da Igreja mundial, foi preso durante uma blitz em Sorocaba, por levar no porta-malas do carro uma escopeta, duas carabinas e farta munição. Outras duas armas e mais munição foram apreendidas em vistoria à casa do bispo, mas ele alegou que as armas eram de caça e estavam sendo levadas para um amigo, numa fazenda próxima. Os policiais deram voz de prisão ao bispo, indiciado em flagrante por porte ilegal e, em razão das características das armas, sem direito à fiança. Ele poderia responder também por crime ambiental, se ficasse comprovado que usava as armas para caçar, como declarou aos policiais. Mas beneficiado por um alvará de soltura, o bispo foi posto em liberdade logo em seguida e continua assim até hoje! Mesmo descontando, em parte, o caráter sensacionalista da notícia, e o fato de que não se pode julgar o conjunto de uma Igreja pelo comportamento de alguns de seus membros, o evento sul-mato-grossense é preocupante por duas razões principais. A primeira se refere ao velho ditado que diz “onde passa um boi, passa uma boiada”, que poderia se aplicar ao caso. Ou seja, se for verdade que para cada veículo apreendido por tráfico de drogas, armas e/ou mercadorias contrabandeadas nas estradas brasileiras, pelo menos outros três passam incólumes pelas barreiras policiais, é bem possível que os fuzis apreendidos pela PRF em Miranda, MS, representem apenas a ponta do iceberg de todo armamento de grosso calibre que passa por ali todos os dias em direção às favelas do Rio de Janeiro! Daí a necessidade talvez de maior vigilância! A segunda razão é de cunho puramente religioso: como se pode admitir e aceitar que pastores – neste caso, da Igreja Mundial – que em princípio deveriam se preocupar em salvar ‘almas’, se prestem à tarefa de traficar ‘armas’ (e que armas, hein?), que serão utilizadas provavelmente para matar outros seres humanos – e por vinte mil reais! Em última análise, o episódio de Miranda, MS, representa muito mais que um simples achado de fuzis de grosso calibre no carro de pastores da Igreja Mundial. Ele revela, de forma inequívoca, o estado de barbárie capitalista e promiscuidade a que chegou uma parcela significativa da sociedade brasileira nos dias atuais, particularmente aquela que sobrevive nas periferias e morros dos grandes centros urbanos. É como diz a coluna “Diálogo” (Correio do Estado,19/03/2010), sob o título “Sinais...”, ao se referir aos pastores presos e ao padre que no teste do bafômetro deu teor alcoólico acima do que a lei permite: “Se a situação está nesse nível, imagine em meio aos ‘pobres mortais’. Pelo jeito,o fim dos tempos está chegando mais rápido do que se imagina”. Alguém duvida?