Desde 2001, no Brasil, vêm sendo estabelecidas políticas de saúde pública no Sistema Único de Saúde (SUS) que oferecem tratamento gratuito para algumas doenças de alta complexidade, em sua maioria, crônicas e/ou raras. No entanto, apenas os portadores das enfermidades que estejam relacionadas na lista de medicamentos excepcionais do Ministério da Saúde (MS) têm acesso ao serviço. Para que outras doenças sejam incluídas nessa lista, é necessária a elaboração do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), documento que define como cada doença deve ser tratada pelo SUS, desde o diagnóstico até o tratamento. Feito isso é possível prestar assistência aos brasileiros portadores desses males.
Ao final de 2009, compelidos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério da Saúde brasileiro definiu algumas prioridades de protocolos, dentre eles o da Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP), para serem revisados e criados ao longo de 2010. As Sociedades Brasileiras de Cardiologia (SBC), Pneumologia e Tisiologia (SBPT), e Reumatologia (SBR) estiveram reunidas com equipes do Ministério da Saúde para discutir – a partir dos critérios de manejo da doença elaborados pelas três especialidades médicas e com base em diretrizes internacionais – a política de saúde pública a ser adotada para o estabelecimento do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP).
A Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) é uma doença sem cura e fatal, que se caracteriza pelo aumento da pressão arterial nos pulmões. Pode ser de causa desconhecida (idiopática) ou se desenvolver em consequência de outras enfermidades crônicas como, por exemplo, Aids e Esquistossomose. Apresenta sintomas como falta de ar e fadiga, similares aos de outras enfermidades pulmonares e cardíacas, sendo por isso muito comum o diagnóstico tardio e o subdiagnóstico desta doença. A HAP pode afetar pessoas de todas as idades e origens étnicas, e oferece boas perspectivas de sobrevida aos pacientes que são submetidos ao tratamento adequado.
Entretanto, mesmo diante de uma iniciativa aparentemente assertiva do governo, o protocolo de tratamento da Hipertensão Arterial Pulmonar do Ministério da Saúde, que está sendo submetido à consulta pública desde o dia 1º de março, desconsidera as prerrogativas de tratamento pautadas pelos principais especialistas no manejo da doença no país e no mundo.
A ausência de todas as opções de tratamento farmacológico existentes no país e regulamentadas pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para Hipertensão Arterial Pulmonar no Protocolo Clínico proposto pelo Ministério da Saúde, em vez de atender seu objetivo principal de promover a melhoria da qualidade da atenção à saúde, tende a condenar muitos portadores à debilitação de sua saúde e, em casos mais graves, levá-los ao óbito. Por sua vez, os pacientes que fazem uso de terapia combinada – utilização conjunta de pelo menos dois medicamentos –, de acordo com importantes estudos clínicos que comprovam a eficiência da ação complementar das medicações, terá seu tratamento muito prejudicado.
Frente à ineficiência da política pública proposta, o paciente, vítima de Hipertensão Arterial Pulmonar, continuará exigindo seu direito à vida na Justiça, para ter acesso ao tratamento adequado. Dessa forma, não haverá mudanças na realidade desses pacientes no Brasil e a judicialização da saúde para estes casos será mantida.
Para os pacientes pediátricos, a realidade será ainda mais indolente, visto que as terapias contempladas no Protocolo Clínico do governo não possuem indicação regulamentar para tratamento em crianças. Portanto, segundo as prerrogativas do documento em questão estabelecidas pelo Ministério da Saúde, as crianças acometidas por cardiopatias congênitas causadoras da Hipertensão Arterial Pulmonar serão submetidas a um tratamento ainda experimental para esta faixa etária.
Dr. Mauro Zamboni, é presidente da Associação Latino-Americana do Tórax e presidiu a Sociedade Brasileira de Tórax (2004-2006). É especialista em Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) e em Câncer de Pulmão. Trabalha no Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, desde 1980, e especialista em oncologia torácica, DPOC e Hipertensão Arterial Pulmonar. É autor de 3 livros e tem 64 artigos publicados.