Gilberto Amendola, AE
A internet pode ser cruel. Principalmente o Google. Experimente fazer uma pesquisa sobre o escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003). A esmagadora maioria dos resultados trará informações e fotos do Chespirito, o Chaves, personagem criado e interpretado por um ator com o nome bem parecido, Roberto Bolanõs (a mínima diferença é o ‘s’ no final do sobrenome). O curioso é que essa anedótica troca de identidades poderia servir de argumento para Bolaño (o escritor) – já que suas histórias estão repletas de personagens em busca de escritores obscuros e livros perdidos.
Quem quiser mergulhar neste universo pode se aventurar pelas 852 páginas de “2666” (Companhia das Letras), obra póstuma de um dos poucos autores contemporâneos cujo o adjetivo “gênio” não soa banal ou deslocado – uma ave rara em se tratando de um escritor latino-americano que nunca se sustentou em exotismos ou personagens folclóricos. Aliás, a crítica internacional compara Bolaño com mestres da literatura, como James Joyce e Marcel Proust. Mas talvez ele se pareça mais com um Jorge Luis Borges depois de uns tragos de Jack Daniel’s em companhia de Jack Kerouac.
Antes de entrar em “2666”, é preciso falar um pouco da vida de Bolaño – cuja obra tem uma ligação sanguínea com sua própria vida. Embora chileno, ele passou boa parte da adolescência no México – retornando ao Chile justamente durante a queda de Allende e o golpe de Pinochet. Foi preso, claro. Mas seus algozes, os carcereiros, eram seus amigos de infância e ele conseguiu fugir.
Bolaño foi para a Europa, esteve em Barcelona, Paris e outras grandes e belas cidades. No período, dedicou-se à poesia, mas sobrevivia de subempregos (foi segurança de camping, lavador de pratos, entre outros). Como ele mesmo declarou em vida, era um exímio ladrão de livros. Decidiu escrever romances para ver se conseguia alguns trocados (já que, com poesia, passava fome).
Bolaño foi um escritor obscuro, venerado por pouquíssimos, até o lançamento de “Detetives selvagens”, em 1998 (que só chegou no Brasil em 2006). A obra conta a história de dois poetas marginais, Arturo Belano e Ulises Lima, que investigam o desaparecimento de uma poetisa vanguardista no México. Foi esse livro que colocou Bolanõ no mesmo time de Proust e Joyce – sem nenhum exagero.
Infelizmente, o escritor não pôde aproveitar o prestígio de sua obra. Em 2003, ele morreu vítima de insuficiência hepática. Nos meses que antecederam seu falecimento, ele estava finalizando aquela que seria considerada sua obra máxima, “2666” Consciente do risco de morte, o escritor deu por encerrado seu trabalho no livro. Embora inacabada, a obra não vai frustrar nenhum leitor. “2666” é mais do que um bom livro. É o legado de uma vida. Talvez, a obra não seja a maneira mais fácil de começar a ler Bolaño. Se você se interessou, comece por “Detetives selvagens”. Depois, mergulhe neste magnífico livro.