O fato aconteceu na passagem do dia 12 para o dia 13 de janeiro de 2003, no acampamento indígena Takuara, localizado na fazenda Brasília do Sul, em Juti, sul de Mato Grosso do Sul, de propriedade do senhor Jacintho Honório Silva Filho. Quatro homens armados e empregados da fazenda – Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Nivaldo Alves Oliveira (foragido) – foram responsabilizados pelo crime, mas o proprietário, suspeito de ser o mandante, foi apenas indiciado. Segundo consta, eles ameaçaram, espancaram e atiraram nos líderes indígenas, incluindo Marcos Verón, que na época tinha 72 anos e morreu de traumatismo craniano. (Thiago Gomes/Correio do Estado, 03, 05,08/05/2010).
“Eles chegaram às 3 horas da madrugada de terça-feira, já atirando. Todo mundo correu para o meio do mato, à beira do rio, menos um filho meu de 11 anos, eu, meu pai e minha irmã, que estava grávida de seis meses. Tiraram a gente do barraco, puseram eu e meu pai de joelhos e começaram a espancar nós dois, com chutes, coronhadas de espingarda e revólver. Aí me amarraram e queriam botar fogo em mim com gasolina. Fizeram um fogo e eu fiquei de lado, ardendo, tanto que depois no hospital o doutor disse que eu tava com queimadura de 2º e 3º graus. Meu pai continuou amarrado, e eles batendo o tempo todo com chutes e coronhadas. Aí chegaram outros com mais duas mulheres e duas crianças e começaram a espancar todo mundo. Nas crianças eles batiam de cinto. Aí puseram a gente numa caminhonete e levaram para beira de uma estrada. Bateram tanto na gente que eu desmaiei (...) Meu pai tava do lado, todo machucado, cheio de sangue. Consegui pegar uma carona até uma parte da estrada. Aí levei meu pai num carro da aldeia até o hospital de Dourados, mas ele já chegou praticamente morto. Só depois, na Polícia Federal, foi que avisaram que meu pai tinha morrido”. (Depoimento de LadioVerón Cavalheiro que na época tinha 37 anos, e conta como foi a morte do pai, Marcos Verón, na madrugada do dia 12 para o dia 13 de Janeiro de 2003) (Marta Ferreira/Campo Grande News, 19/04/2010).
O caso Verón – à semelhança do de Marçal de Souza – que ganhou notoriedade devido ao destaque do líder indígena, que já representou sua comunidade em eventos internacionais, é hoje acompanhado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e organizações não governamentais ligadas aos direitos humanos. Mas para o advogado de defesa dos acusados pelo crime, Josephino Ujacow, o destaque dado ao julgamento é “uma manifestação favorável aos índios, como se tivesse havido uma tragédia imensurável”. Para ele, os homicídios entre os guarani-kaiowá são “corriqueiros na região de Dourados (MS) e o assassinato do cacique teria sido obra de outro membro da comunidade que já estaria morto (Laucídio Barrios Flores) durante uma discussão interna”. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário, porém, Mato Grosso do Sul é o estado que concentra a maior parte dos homicídios contra índios. E para o Ministério Público Federal (MPF), essa violência se acentua à medida que o agronegócio se expande na região e os índios intensificam a luta pelas terras que consideram como tradicionais. (Graça Adjuto/Agência Brasil,03/05/2010).
Em 23/04/2007, o Procurador da República em Dourados, Charles Stevan da Mota Pessoa, personagem central de toda essa história, pediu o desaforamento do julgamento do caso Verón para São Paulo. Na ocasião, ele alegou que o proprietário da fazenda Brasília do Sul, onde se deu o crime, é “pessoa com enorme influência econômica e política na região, e cujas demonstrações vêm sendo dadas com relação a fatos concernentes ao presente processo (...)”. E o pedido de desaforamento, “é para garantir a imparcialidade no julgamento”.(Antonio Viegas/Correio do Estado, Luís Carlos Luciano/DouradosInforma/23/04/2007). Charles Stevan conseguiu, de fato, o adiamento e, posteriormente, o desaforamento do julgamento, mas ao que parece ele não tinha a mínima idéia da dor de cabeça que isso representaria no futuro do processo.
É que em 04 de maio último, os representantes do Ministério Público Federal (MPF) no julgamento dos acusados da morte do líder indígena Marcos Veron, abandonaram o plenário no segundo dia do júri popular, que acontecia na 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Isso aconteceu depois que a defesa dos réus impugnou o uso de intérprete no depoimento dos indígenas – eles não poderiam falar na língua guarani! – o que foi deferido parcialmente pela juíza Paula Mantovani Avelino, que presidia o Tribunal do Júri. E pior: o julgamento foi redesignado para 21/02/2011!(Capitalnews,07/05;CorreiodoEstado, 08/05/2010).
Mas, afinal, o que aconteceu no julgamento dos executores da morte de Marcos Verón em São Paulo? Tramoia da defesa, precipitação do procurador da República Wladimir Arias, ou parcialidade da juíza Paula Mantovani? Difícil dizer, mas qualquer que seja a resposta, o fato concreto é que o desfecho parcial do caso Verón se insere no rol de inúmeros outros casos de impunidade envolvendo grandes proprietários de terras e comunidades indígenas em busca de sua Tekoha – “terra sagrada, lugar sagrado onde os guaranis realizam seu modo de ser”. (Marta Ferreira/Campograndenews/19/04/2010). É como diz essa mesma publicação da Procuradoria da República do Estado:“No Mato Grosso do Sul tem índio demais para Tekoha de menos”. Daí a importância de projetos como o “Ava Marandu” – “Os guaranis convidam” – promovido nesta semana pelo Pontão de Cultura Guaicuru e que visa a disseminar a cultura e os direitos humanos dos povos guaranis. Que tal?!
Hermano de Melo, Médico-veterinário, escritor e estudante de Jornalismo.