Foi destaque recente na imprensa local: ainda neste ano letivo de 2010, o cardápio da merenda escolar de cerca de 100 mil alunos da rede municipal de ensino de Campo Grande será reforçado com carne de avestruz e de boi orgânico. A ideia é do titular da Sedesc (Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico, de Ciência e Tecnologia e do Agronegócio – ufa!), e vice-prefeito da Capital, Edil Albuquerque (PMDB), que além das 15 toneladas de polpa de peixe, 33 toneladas de coxa e sobrecoxa de frango e 33 toneladas de salsicha de frango congeladas normalmente utilizadas na merenda, vai comprar 55 toneladas de carne bovina orgânica e 33 toneladas de carne de avestruz moídas e congeladas. A licitação, no valor de R$ 1,3 milhão (R$ 768 mil de carnes exóticas), para a compra desses produtos será aberta dia 25/2 e os recursos são oriundos do MEC (Ministério da Educação). (Campo Grande News, 14/2/2010). O vice-prefeito justificou assim a medida: “O boi orgânico é uma carne saudável e produzida respeitando questões ambientais, e a carne de avestruz é nutritiva, tem alto teor de ferro, baixo porcentual de gordura, além de ser macia e saborosa. Serão importantes no desenvolvimento das crianças”. Segundo ele, “as carnes exóticas já foram testadas nas escolas por três meses e a aceitação foi muito grande”. Embora o preço de referência para o quilo da carne bovina orgânica seja de R$ 8,25 (30% a mais que a carne de segunda), e o da carne de avestruz R$ 9,85, ele diz que “a municipalidade ao comprar o produto mais caro incentiva a produção orgânica, porque os 16 fazendeiros pantaneiros envolvidos no negócio não conseguem exportar os cortes de segunda. O mesmo se aplica aos produtores de avestruz”. (Correio do Estado, 13/2/2010). Em editorial intitulado “Nutrindo investidores” (13/2/2010), porém, o “Correio do Estado” diz que, embora o argumento do vice-prefeito de que o poder público tem obrigação de incentivar a produção local faça algum sentido,“é no mínimo ilógico utilizar o dinheiro dos campo-grandenses para pagar caro por uma carne proveniente de fazendeiros do Pantanal, que além de serem de outras regiões do Estado, certamente são bem menos necessitados que 95% daqueles que pagam impostos na Capital”. E que, “absolutamente todos aqueles que se aventuraram na criação das gigantescas e desengonçadas aves o fizerem sabendo dos riscos e porque tinham algum dinheiro para investir na novidade. Então, se não obtiveram o sucesso que esperavam, não faz sentido agora utilizar dinheiro público para minimizar a decepção dos investidores”. É preciso entender, no entanto, que mesmo considerando que há fortes indícios de jogo de interesses na compra de carnes exóticas para a merenda escolar de Campo Grande, o problema maior parece não estar relacionado ao fato de que uma delas – a do boi orgânico – ser de dianteiro e produzida no pantanal sul-mato-grossense. Afinal, embora seja considerada uma carne de “segunda linha” e proveniente de terras distantes daqui, ela advém de animais criados de forma mais saudável que a usual e portanto deve fazer bem às crianças quando adicionada ao lanche escolar. Além disso, não deixa de ser politicamente correto incentivar a produção do boi orgânico e outros itens desse tipo quando utilizados na alimentação humana. Ora, se esse raciocínio for correto, a questão central se resume em saber: por que cargas d’água a prefeitura local decidiu comprar carne de avestruz para compor a merenda escolar das escolas municipais da Capital? Para responder a isso, é preciso voltar aos tempos do mestre químico francês Lavoisier (1743-1794), e traduzir sua mais famosa frase para o “brasilianês”, que ficaria assim: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se copia”. É que Campo Grande não é a primeira, nem provavelmente será a última cidade brasileira a adotar a carne de avestruz na merenda escolar de suas escolas municipais. Desde o início de 2009, Campinas (SP) é a primeira cidade do Brasil a utilizar esse tipo de carne no cardápio da merenda escolar dos alunos de suas 507 escolas municipais e estaduais! A iniciativa é da Secretaria de Educação de lá, em parceria com as Centrais de Abastecimento de Campinas (Ceasa) e faz parte do Programa Municipal de Alimentação Escolar (PMAE),cujo objetivo é agregar novas opções ao cardápio escolar (Agência Anhanguera, 19/6/09). E o mesmo acontece em Almirante Tamandaré, PR, onde o teste de degustação realizado numa escola infantil mostrou que 75% das crianças aprovaram o sabor da carne de avestruz (Bem Paraná On-Line, 25/3/09). Parece haver, porém, outros motivos para justificar a decisão do vice-prefeito Edil de inserir a carne de avestruz na merenda escolar da Capital. Um deles, talvez, seja resposta à forte campanha de marketing desencadeada pelas cooperativas regionais de estruticultores (criadores de avestruzes) desde o IX Congresso Brasileiro de Estrutiocultura de dezembro de 2008, em São Paulo,SP, e cujo tema central foi de estimular o consumo de carne de avestruz via merenda escolar! (ACAB,11/12/2008). O outro pode ser uma tentativa do poder público municipal em ajudar os estruticultores a desovar a produção e estoque de carne de avestruz que se encontra no campo e não encontra compradores! É como diz Ester Figueiredo em sua coluna “Diálogo” no Correio do Estado de 20/2/2010, sob o título “Exóticas”: “Uma das justificativas da prefeitura para incluir na merenda dos alunos de Campo Grande as carnes orgânicas de boi e avestruz é de apoio aos produtores. Já imaginaram se os de rã, de jacaré em cativeiro e por aí afora decidem pedir auxílio, hein?”.