São Paulo
"Jean Charles", do brasileiro radicado na Inglaterra Henrique Goldman, chega ao DVD. Coproduzido pelo Brasil e a Inglaterra, o filme procura revelar a identidade do eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes (1978-2005), morto pela polícia inglesa em 2005 – um dos mais espantosos erros policiais da história daquele país.
Confundido com um terrorista, ao final de uma desastrada operação, o jovem eletricista mineiro, de 27 anos, radicado em Londres há três, foi executado com oito tiros, sete deles na cabeça – na estação de Stockwell, no metrô londrino.
Depois, comprovou-se que não tinha nenhum vínculo criminoso, ou tivera qualquer comportamento suspeito, como as autoridades britânicas a princípio alegaram, mas foram desmentidos em posteriores investigações.
Há um indiscutível fundo político, portanto, por trás de "Jean Charles", que sublinha o clima de histeria vivido em Londres, em julho de 2005, após dois atentados no metrô, com vários mortos e feridos. Mas o foco está, inegavelmente, na figura humana de seu personagem.
Fica claro que o filme não procura uma fidelidade documental absoluta à biografia de Jean Charles – embora procure verossimilhança. O roteiro, assinado pelo diretor do filme, Henrique Goldman, e pelo jornalista Marcelo Starobinas, cria incidentes ficcionais a partir dos reais. Nem tudo o que se vê na tela é, portanto, a vida de Jean Charles como ela foi, mas tudo que se vê busca coerência com ela.
Selton Mello confere uma verdade inegável a esse brasileiro, símbolo de tantos outros, personagens de uma diáspora recente pelo mundo, em Londres em particular.
Estima-se que cerca de 200 mil brasileiros vivam na Inglaterra, a maioria deles na capital inglesa. Muitos são ilegais, sobrevivendo de todo tipo de trabalho, em busca de sucesso financeiro e profissional. Por isso, não é raro, para quem anda num ônibus londrino qualquer, ouvir o som do português.
O melhor do filme está nesse retrato de uma comunidade brasileira exilada, mas que continua ligada na própria língua, na culinária, na televisão nacional (que assiste via cabo), nos artistas. Neste contexto, é particularmente saborosa a participação de Sidney Magal num show para a colônia brasileira londrina. O show evoca, aliás, um incidente real na vida de Jean Charles, mas que envolvia outro cantor, o sambista Zeca Pagodinho.
O desafio do filme é que seu herói está condenado à morte e todos sabem disso antes de a primeira imagem atingir a tela. A saída encontrada por Goldman está em deslocar parte do protagonismo da história para outra personagem, a prima de Jean Charles, Vivian (Vanessa Giacomo, de "O menino da porteira"). Ela divide com ele as lutas, as decepções, os sonhos. E cabe a ela levar ou não adiante um dos projetos que Jean Charles deixa pelo caminho.
Outro destaque no elenco é Luís Miranda, que interpreta com profunda humanidade outro primo de Jean Charles, Alex – uma pessoa real e entrevistado para a composição do papel. A verdadeira prima do protagonista, Patrícia Armani, aparece em cena em seu próprio papel. No elenco, há uma pequena participação de Daniel de Oliveira.
Com produção executiva do cineasta Stephen Frears e de Rebecca O’Brien, o filme recoloca em discussão o caso de Jean Charles, cuja morte ainda é objeto de ações judiciais por parte de sua família.