Eles estão no meio do caminho
e consomem como
nunca, o que despertou a fome
da indústria nos últimos
anos, incentivada por ações
de estímulo econômico do
governo. Eis a classe média
brasileira, mais da metade da
população. A arma poderosa
dessa camada social é o consumo,
que fez do mercado interno
o salvador das empresas
nacionais em 2009, enquanto
as exportações despencavam
durante a retração na economia
mundial. Nesse caso, o
antídoto da crise também os
envenena. Por gastar demais,
não sobra dinheiro para poupança.
Para eles, a análise certa
é essa: por ganhar pouco,
não dá para poupar.
O funcionário público
Lindomar Pereira de Souza,
43 anos, conheceu a manicure
Fátima Alves Amaral, da
mesma idade, e passaram a
viver juntos. Com os netos de
Fátima, criados como filhos
desde que nasceram, eles formaram
uma família de classe
média campo-grandense.
O caixa deles é apertado. Os
R$ 1.500 que Lindomar ganha
cobrem as despesas, mas não
permitem maiores voos no orçamento.
Os bicos da esposa
como manicure pagam suas
despesas pessoais, mas não
pesam nas receitas do casal.
João Pedro, 10 anos, passou a
estudar em uma escola pública
para enxugar o orçamento,
e não gostou da troca. “Lá tinha
natação”, lembra. Maria
Eduarda, a caçula de 7 anos,
tem uma lista de desejos que
inclui celular e televisão no
quarto. A família sabe o que
cada um quer, mas o assunto
“poupar para ter” não é discutido.
Uma pesquisa nacional
aponta que, para cobrir decentemente
as despesas de
uma família como a deles, o
salário mínimo deveria ser
de R$ 2.040 – quatro vezes
superior ao mínimo real, de
R$ 510.
Os gastos dos quatro seguem
o padrão observado em
Campo Grande. Um levantamento
do Núcleo de Estudos
e Pesquisas Econômicas e Sociais
(Nepes), da Universidade
Uniderp/Anhanguera, mostra
que 32% do orçamento das famílias
da Capital é destinado
a gastos com habitação. As
outras despesas mais pesadas
são com alimentos (24,8%),
transporte (13,8%) — a cidade
tem uma das passagens de
ônibus mais caras do País, a
R$ 2,50 —, educação (10%),
cuidados pessoais (7,3%) e
saúde (7%).
Com tantos “furos” no
caixa, a família de Lindomar
tem pouco tempo para lazer.
A diversão é chamar os amigos
para o churrasco no fim
de semana. “Cada vez que sai,
gasta, então é melhor ficar
por aqui”, diz o funcionário
público, encarregado de administrar
as finanças. A esposa
desconfia do talento de
administrador de Lindomar:
“Ele não faz contas, não pesquisa
e não aceita minhas
opiniões sobre dinheiro”, reclama.
Os dois concordam que,
para viver melhor, deveriam
aumentar a renda familiar
para R$ 3.500. Sobraria mais
para lazer, educação dos filhos,
informação, e outros
investimentos em desenvolvimento
pessoal. Ganhando
menos que isso, eles precisam
“contar muito o dinheiro”, como
diz Fátima, e usar “táticas
de guerrilha” para fechar
o mês. “Quando vamos aos
supermercados, as crianças
colocam o que querem no
carrinho, eu só olho. No caixa,
eu tiro os brinquedos, e só
ficam as comidas, nisso não
dá para economizar”, conta a
mãe/avó.
Para se manterem no azul,
eles controlam a conta do telefone
fixo — a operadora
oferece um valor determinado
em ligações por mês
—, transformaram o celular
em “recebedor”, e, quando a
saúde anda mal, recorrem ao
sistema público. Mesmo com
o orçamento magro, os planos
para 2010 são trocar de
casa, de móveis, e, se a renda
aumentasse... “Ah, eu iria ao
salão de beleza a cada 15 dias
fazer pé, mão, cabelo, maquiagem
e tudo o que tenho
direito”, imagina Fátima.