O desastre só fez piorar uma loucura que já existia. O olhar para o nada e a fala à toa eram vistos desde antes da tragédia do último dia 12, diz o haitiano Fevry Israel. Nas ruas de Porto Príncipe, alguns continuam vagando, agora com horror nos olhos e na voz. Mas o desespero sempre esteve lá. “Vejo agora imagens de pessoas falando sozinhas pelas ruas, mas já víamos isso antes do terremoto, pois os haitianos sempre tiveram muitas coisas do que reclamar”, diz Israel, 35, que atualmente mora em Porto Alegre (RS). “O Haiti é cheio de ‘loucos’ que, sob a opressão da miséria, acabam pensando que Deus não os ama como ama as pessoas mais privilegiadas”. Israel veio ao Brasil há três anos e meio para estudar educação física. Tem sete irmãos, seis deles na capital do Haiti – todos estão vivos. Pela TV, reconhece as ruínas de locais por onde passava frequentemente. “Alguns prédios eram orgulho nosso e agora estão destruídos. Às vezes choro bastante”, diz o estudante. “Não sabemos quando poderemos reverter essa situação.” A “situação” ainda sem expectativa de ser revertida vai Em novo balanço, governo haitiano afirma que 75 mil pessoas morreram com tremor; equipes scontinuam buscando sobreviventes sob escombros Falta de esperança acirra “loucura” nas ruas além da cidade desfigurada. Diz respeito à imagem que o haitiano tem de si mesmo. A história de miséria, somada a anos de ajuda estrangeira, deu a muitos a sensação de inferioridade, analisa Israel. “Parece que nunca tivemos habilidade para gerar energia positiva para outros povos; recebemos apenas. Sempre estivemos em situação de pedir socorro, sem integrar conselhos de nações”. Por conta disso, caso não haja empenho para que o haitiano seja inserido como ator do processo de reconstrução, as próximas gerações perpetuarão o histórico de sensação de incapacidade e baixa autoestima. “Espero que não vejam os haitianos simplesmente como um povo que está com fome. “Estamos com fome de comida, mas também de estrutura moral, mental, psicológica. Estamos com fome de justiça”.