A mulher escolhida pelo
presidente Luiz Inácio Lula
da Silva como sua herdeira
política atravessou o caminho
do PMDB, que hoje tenta
conquistar, na transição de
governo, em 2002. Foi no fim
daquele ano que Lula, então
presidente eleito, desfez um
acordo para dar ao PMDB o
Ministério de Minas e Energia,
entre outros cargos, e
anunciou que o comando da
pasta ficaria com Dilma Vana
Rousseff.
Estava selado ali o destino
da ex-guerrilheira que encantou
Lula, furou a fila do PT
na disputa pela cadeira do
chefe e, anos depois, viu personagens
da mesma história
se cruzarem na cena política.
Em 2005, Dilma substituiu
José Dirceu na Casa Civil e,
na cerimônia de transmissão
do cargo, foi chamada por ele
de “companheira de armas e
de lutas”.
Abatido pelo escândalo
do mensalão, Dirceu foi o
homem que, na direção do
PT, fechou o acordo com o
presidente do PMDB, Michel
Temer (SP), para entregar ministérios
ao partido em troca
do apoio ao novo governo.
Temer é o deputado que
estranhou a entrada de Dilma
na vaga prometida ao PMDB
e hoje é cotado para dividir
com ela, na condição de vice,
a chapa abençoada por Lula
ao Palácio do Planalto.
Cristã nova no PT, desconhecida
no próprio partido
e sem nunca ter enfrentado
uma eleição nem quando estava
no PDT de Leonel Brizola,
Dilma desbancou petistas
históricos dizimados por
uma sucessão de escândalos,
como Dirceu e o ex-ministro
da Fazenda Antonio Palocci.
Nunca teve jogo de cintura
política – tanto que ganhou
um “bambolê” do PMDB
–, mas não fez sombra para
Lula. Com essa credencial, ela
hoje se prepara para representar
o PT na primeira eleição
disputada pelo partido sem
Lula na cédula justamente
com a ajuda de Dirceu e de
Palocci, o ministro com quem
teve ruidosos embates no governo
por causa do superávit
primário.
Mesmo sem força para se
contrapor à vontade de Lula,
o PT chegou a esboçar resistência
a uma candidatura
que não passou pelo crivo do
partido, mas acabou se rendendo.
Dilma se aproximou
do PT em meados do ano
passado, após enfrentar um
câncer no sistema linfático.
“Muita gente diz que ela é
dura, mas, numa negociação,
tem de ser assim mesmo”,
ameniza Lula. “Logo que eu
ganhei a primeira eleição, em
2002, avisei aos companheiros
que Minas e Energia não
ia entrar na negociação partidária
com o PMDB porque eu
tinha encontrado a ministra
ideal. Daí para a Dilma passar
à Casa Civil foi uma coisa natural”,
ressalta.
Filha de pai búlgaro e
mãe mineira, Dilma faz o estilo
“gerentona”: é implacável
com os subordinados, cobra
prazos e resultados e quer
tudo pronto “para ontem”. “O
presidente não dá bronca em
ninguém. Ele fala para a Dilminha.
Aí ela vai lá e resolve”,
conta o ministro do Planejamento,
Paulo Bernardo, que
chama a chefe da Casa Civil
pelo apelido de infância.
Sinais de alerta
Aos 62 anos, Dilma está
acostumada a cuidar de um
cardápio variado de assuntos,
da banda larga aos temas econômicos,
passando por licenças
ambientais. Desembarcam
em seu gabinete, ainda, pedidos
de governadores, ávidos
por resolver pendências com
a União.
“O Serra me liga e me dá
tarefas”, confidencia Dilma,
rindo, numa referência ao
governador de São Paulo, José
Serra (PSDB), provável adversário
do PT na corrida ao
Planalto. “Eu o conheço há 30
anos e temos a melhor relação.”
Quando Dilma era militante
de uma organização de
extrema-esquerda chamada
Colina (Comando de Libertação
Nacional), em Belo Horizonte,
o hoje deputado José
Aníbal (PSDB-SP) também
conviveu com a garota que
amava os Beatles, a música
clássica, os livros e os filmes
de Glauber Rocha. “Ela sempre
foi inteligente, mas está
contaminada pelo PT”, avalia
o tucano.
Lula quebrou o protocolo
político na divisão de seu
espólio, jogou o PT para escanteio
e ignorou o mosaico
ideológico das tendências
abrigadas no partido fundado
por ele há 30 anos. Além disso,
convencido de que é possível
eleger a primeira mulher
presidente do Brasil, escalou
um time de sua confiança
para cuidar da campanha e
moldá-la como candidata.
Em março de 2008, a ministra
sofreu seu primeiro revés
na Casa Civil: foi acusada
de montar um dossiê sobre
gastos sigilosos do ex-presidente
Fernando Henrique
Cardoso e da ex-primeiradama
Ruth Cardoso com cartões
corporativos. Ela negou
e disse que se tratava de um
“banco de dados” com informações
a serem enviadas ao
Tribunal de Contas da União
(TCU) e à CPI dos Cartões.
A crise só terminou depois
que um funcionário posto
na Casa Civil por Dirceu
caiu, apontado como autor
do vazamento para o PSDB.
No ano passado, novo problema:
embora Dilma não tenha
concluído nem mestrado nem
doutorado em economia, o
site da Casa Civil informava
que ela é “mestre em teoria
econômica pela Universidade
de Campinas (Unicamp)
e doutoranda em economia
monetária e financeira”. A Casa
Civil foi obrigada a mudar
o texto e a ministra, furiosa,
responsabilizou assessores
pelo erro.
Quem convive com Dilma
sabe que há coisas que ela
não suporta. Uma delas é o
erro dos encarregados por
determinadas tarefas. Além
disso, odeia ser rotulada como
“estatizante” – apesar de
pregar o maior papel do Estado
na economia – e “dama de
ferro”. Perdeu a conta, porém,
de quantas vezes a compararam
com Margareth Thatcher,
a ex-primeira-ministra da Inglaterra.
“Mulheres em posição
de mando sempre ficam
com essa pecha”, reclama.
“Ronald Reagan, nos Estados
Unidos, era duríssimo, e ninguém
fala nada.”
Internet
Conhecida por ler tudo o
que cai em suas mãos, a chefe
da Casa Civil se interessou
por um artigo no “The New
York Times”, de Thomas Friedman,
enviado a ela no penúltimo
dia de janeiro. Diz
o texto que a equipe do presidente
dos Estados Unidos,
Barack Obama, deixou morrer
o trabalho de mobilização de
jovens – construído a duras
penas durante a campanha
de 2008, com a ocupação de
espaços na internet – e pagou
alto preço por isso.
“Se você pensa que a resposta
correta (para enfrentar
a crise) é dar uma chibatada
populista nos bancos, está
errado”, escreve Friedman no
artigo, numa espécie de conselho
a Obama. “Por favor,
regule os bancos de forma
inteligente. Mas lembre-se:
no longo prazo, os americanos
não se congregam em
torno de políticos raivosos,
que não deixam aflorar o
melhor de nós. Eles se congregam
em torno dos que
inspiram, dos que são esperançosos
(...)”
A cúpula do PT quer fazer
da esperança a marca da campanha
de Dilma – assim como
foi a de Lula, em 2002 –, mas
sabe que, desta vez, terá de recorrer
a nova embalagem para
o apelo emocional. O mote
não será mais a “esperança
contra o medo”. Agora, o desafio
consiste em convencer o
eleitor de que a melhoria das
condições de vida dos brasileiros
está na continuidade
do PT no Planalto.