NADYENKA CASTRO
Quatro ex-funcionárias da clínica da ex-médica Neide Mota Machado vão a júri popular a partir das 8 horas de amanhã, pelo crime de aborto. O julgamento seria realizado em 24 de fevereiro, mas, no início da sessão, a defesa das rés argumentou que dois promotores não poderiam atuar no caso, pois não eram os responsáveis pela 2ª Vara do Tribunal do Júri, onde tramita o processo. Diante da situação, o júri foi remarcado para 8 de abril, três anos depois do início das investigações em torno da prática do crime na clínica, que era localizada na Rua Dom Aquino, em Campo Grande.
Será o primeiro julgamento, pelo menos em Mato Grosso do Sul, sobre crime de aborto. Serão julgadas as profissionais da área de enfermagem Maria Nelma de Souza, Libertina de Jesus Centurion e Rosângela de Almeida, e a psicológa Simone Aparecida Cantagessi de Souza. Segundo a acusação, há indícios de que elas tinham consciência que trabalhavam na prática do aborto, pois atendiam as pacientes, explicavam como se davam os procedimentos, informavam os valores e realizavam os exames.
A dona da clínica, Neide Mota, também havia sido pronunciada junto com as funcionárias e iria a júri popular. No entanto, em novembro do ano passado cometeu suicídio.
O caso
A clínica começou a ser investigada após denúncia feita pela imprensa. A Polícia Civil esteve no local e apreendeu medicamentos abortivos e fichas das clientes, de todo o País, que pagavam de R$ 1 mil a R$ 3 mil para interromper a gestação sem autorização judicial. Após 20 anos de funcionamento e cerca de 10 mil abortos realizados, o local foi fechado.
À polícia e à Justiça, Neide negou que praticasse aborto ilegal. Disse que somente retirava da barriga das mulheres fetos mortos. Aos repórteres que fizeram a reportagem, que foram ao local com câmera escondida se passando por clientes, ela declarou que fazia os abortos como forma de proteger as mulheres para que não se submetessem a procedimentos que colocassem suas vidas em risco.
As fichas apreendidas na clínica, conforme critério estabelecido pelo juiz Aluizio Pereira dos Santos, titular da 2ª Vara do Tribunal do Júri, foram selecionadas pela polícia, com o acompanhamento dos promotores de Justiça, levando-se em conta as que não tinham fortes indícios dos crimes e os prescritos.Apurou-se que aproximadamente 8.300 delas se enquadravam em uma destas situações. Razão pela qual foram arquivadas por falta de justa causa que justifique uma investigação criminal, sobre as quais se declarou segredo de justiça e estão arquivadas no fórum.
No entanto, de acordo com o processo, em cerca de 1.200 fichas foram encontrados fortes indícios dos abortos, tais como anotações de as mulheres estarem “aptas” aos referidos abortos, pagamentos de valores considerados, gravidez positiva, exames de ultrassom revelando o tamanho do feto, indicação de medicamentos, internações na clínica, principalmente à noite, declarações firmadas por elas dos riscos que estavam sendo submetidas, curetagem, etc., as quais foram separadas e estão sendo objeto de investigação ou já foram denunciadas pela promotoria perante a Justiça.
Para os casos em que os promotores formalmente ofereceram denúncia contras as mulheres ou homens por crimes de aborto, o juiz não declarou segredo de justiça porque tais crimes são comuns como qualquer outro.