SCHEILA CANTO
Ninguém me ama, nada na minha dá certo, nem mesmo boa saúde eu tenho, minha família é desestruturada, não tenho sorte, sou um fracasso profissional, emocional e financeiro. Quem não conhece uma pessoa assim, que é um eterno sofrer ou se fazer sofrido? Esses tais, são os portadores da “síndrome de vítima”, uma moléstia causadora de perturbações como as descritas acima.
Qualquer um pode identificar os seres acometidos por esse mal, basta observar sintomas como ter sempre na ponta da língua frases do tipo: “Eu não abro mais a minha boca”, “Você tem sempre razão e eu é que estou errada” e por aí vai... Frases quase sempre acompanhadas de expressões não necessariamente verbais. A mais conhecida é a cara fechada, que pode surgir depois que as frases não surtem o efeito desejado ou até mesmo quando surtem, afinal, para a “pseudovítima”, manter a pose é fundamental.
Além de ser eternos protagonistas de verdadeiros dramalhões mexicanos, as pessoas portadoras dessa síndrome fazem de namorados, cônjuges, sócios e amigos coadjuvantes da saga. E em cena vale tudo: desde chantagens para pôr fim à discussão até ameaças de quem está prestes a sucumbir a tamanha ingratidão. Para a assessora de marketing Andréa Lins, 30 anos, tudo não passa de golpe baixo. “É uma maneira de ganhar a discussão quando não se tem razão”, revolta-se. “Detesto quando fazem isso comigo. É muito mais adulta a pessoa admitir que está errada”, desabafa.
Aliás, ‘estar errada’ é uma combinação de palavras que não consta no vocabulário dessas incompreendidas criaturas. Segundo a psicóloga Maria Tereza Maldonado, o mais comum é que a ‘vítima’ coloque sempre em sua conta somente as parcelas boas da relação. “Normalmente, o fracasso é culpa do outro e não daquele que acredita ter feito de um tudo para dar certo, se entregando, renunciando, perdoando”, comenta ela, sem citar tudo aquilo que o repertório de mártir contém.
Não é à toa que o passatempo predileto da “vítima” seja brincar de “detetive”, aquele jogo que tem como principal objetivo encontrar um culpado. Que, no caso dela, são sempre os outros. “Ela se sente prejudicada pelas atitudes da outra parte e não há nada que ela possa fazer para evitar a situação, os outros, sim. Está sempre se colocando numa situação de sofrimento e impotência”, diz Maria Tereza Maldonado, ressaltando ainda que a ‘vítima’ realmente sofre muito, mas prefere arcar com este sentimento pela compensação dos ganhos.
A vítima provoca o sentimento de culpa na pessoa a quem se dirige e essa estratégia quase sempre é bem-sucedida. Mas quando o melodrama não cola, o chilique é a saída mais usada. “Ela acaba sempre tendo a pessoa sob seu domínio. Quando acontece de sua manipulação não funcionar ou ela se sentir confrontada, fica muito irritada”, assegura a psicóloga, completando que a insegurança, o egocentrismo e a falta de consideração com os desejos dos outros são outras características destes que também têm a mania de perseguição.
Os caminhos para a vítima sair desse mundo de trevas está dentro dela mesma e as pessoas que a cercam podem colaborar com um pouco de luz. Mas se ela realmente não abrir mão dos números de comoção, piedade e remorso que fazem parte de seu show, só restará aos atingidos pelos seus crimes emocionais julgar: vítima ou culpada?