Raríssimas são as oportunidades em que se vê policiais militares fazendo blitz durante a madrugada nas vias de acesso a Campo Grande ou dentro da própria cidade para coibir abusos de motoristas embriagados ou que transitam com alguma irregularidade. “Amarelinhos’, então, jamais haviam sido vistos. Porém, basta uma rápida olhada nos registros da Santa Casa e até mesmo no noticiário para constatar que é neste horário que acontece grande número de acidentes graves. Os dois últimos finais de semana são exemplos disso.
Ontem, porém, tanto PMs quanto “amarelinhos” e integrantes de outros órgãos públicos literalmente madrugaram. O objetivo era vistoriar rigorosamente os ônibus que trariam servidores do interior para participar de protesto exigindo reajuste maior para trabalhadores administrativos da Educação. O serviço de inteligência da secretaria de Segurança Pública, aquele mesmo que em anos anteriores acompanhou passeatas de professores e elaborou relatórios sobre as atitudes subversivas de diretores escolares, literalmente mapeou o trajeto dos ônibus e adotou medidas para que fossem retidos o mais longe possível dos locais de protesto.
Está mais do que claro que por trás de todos os protestos ou manifestações de servidores existem partidos políticos e interesses corporativos em jogo. Nove em cada dez cidadãos têm consciência disso, embora não se possa negar que boa parcela dos manifestantes esteja realmente defendendo seus interesses, o que é permitido pela legislação brasileira. É a chamada massa de manobra, que está presente em todos os movimentos políticos e sociais. Os próprios governantes, quando inauguram obras ou lançam programas contratam ônibus e mais ônibus para garantir plateia. Mas, quando estes manifestantes causam transtornos ou baderna, nove em cada dez eleitores percebem isto e o feitiço acaba virando contra o feiticeiro. A rejeição que os movimentos sem-terra sofrem hoje é, em grande parte, decorrência dos atos estúpidos que cometeram ao longo de anos. Quer dizer, a sociedade tem maturidade suficiente para diferenciar movimento legítimo e ordeiro daquilo que é manifestação politiqueira e com interesses que normalmente não podem ser revelados.
Por isso, a mobilização das forças de segurança para coibir a presença de servidores públicos na Assembleia Legislativa pode acabar trazendo efeito contrário ao pretendido, pois a liberdade de ir e vir, assim como o direito de manifestação e expressão, são considerados conquistas inalienáveis. A repressão pura e simples é uma das mais graves atitudes que homens públicos podem determinar. Com esta estratégia, os manifestantes acabaram sendo transformados em vítimas. Além disso, se eles supostamente estão usando “inocentes úteis” para prejudicar a imagem dos governantes, estes usam a máquina pública estadual e municipal para defender interesses pessoais.
Professores e demais trabalhadores da Educação já promoveram um sem-número de manifestações em Campo Grande nas últimas décadas. Embora já tenha havido rápidos atritos com a PM no Parque dos Poderes, nunca houve quebra-quebra ou interdição total de alguma via. Quer dizer, o risco que os campo-grandenses corriam com o protesto de trabalhadores era insignificante para justificar a mobilização policial que se verificou para impedir o protesto. Ao barrar os ônibus no meio do caminho o Governo está considerando que os eleitores são tolos e não têm capacidade para distinguir manifestações justas e ordeiras daquelas que têm cunho eleitoreiro e trazem transtorno a quem quer que seja. Se a polícia e os “amarelinhos” fossem sempre zelosos com o bem-estar dos campo-grandenses, a mobilização desta terça-feira nem mesmo seria percebida. Contudo, como todos sabem que não é isto que acontece, o grito reprimido a dezenas de quilômetros da Capital possivelmente ecoará bem mais do que uma manifestação ruidosa na Assembleia, que é o espaço mais correto para embates desta natureza.