“Prefeitura e Santa Casa formarão pediatras”, manchete de jornal do dia 15/05/10. Parece solução para a escassez de pediatras no município. No entanto, o secretário de Saúde de forma sensata se manifestou: “Não resolve de imediato, mas é um passo para aumentarmos gradativamente o número de especialistas nessa área”(sic).
As atividades clínicas, pediatria e clínica médica passam por uma crise sem precedentes. A ciência médica evoluiu e a disponibilidade tecnológica aumentou. A população e os recém-formados se encantam com os equipamentos e priorizam a abordagem tecnológica do paciente em termos diagnóstico e terapêutico, encarecendo sobremaneira a medicina, sem grandes ou melhores resultados, e elevando o ganho médico, o que atrai as novas gerações de médicos.
A falta de resolubilidade nos postos de saúde passa pela inexistência de um plano de cargos, carreira e salários, baixos salários e, lamentavelmente pela pletora paradoxal de médicos. Muitos recém-formados à disposição do sistema de saúde sem a necessária qualificação atuam como pediatras e clínicos sem o título de especialista.
Essa dificuldade há muito tempo bateu à porta da Santa Casa. O idealizador e executor da implantação da residência de pediatria na Santa Casa, Dr. José Mendes, há muito se debatia para conseguir médicos visitadores para a UTI neonatal, alojamento conjunto e enfermarias. Aguardava horas na sala de espera da administração, até que resolveu procurar o ministério público que determinou fosse montada a UTI neonatal que estava sucateada. Alguns pediatras abandonaram o barco. Fez um atalho para a secretaria de saúde e o secretário anterior orientou que se contratassem os especialistas solicitados. Esses pediatras são contratados pela Santa Casa e Prefeitura. Orientam os residentes e atendem a comunidade na proposta original. Todo o mérito dessa iniciativa e concretização da residência de pediatria é do Dr. José Mendes.
É importante registrar que no dia da assinatura do convênio, o prefeito, num ato de grandeza mandou que o Dr. José Mendes assinasse o convênio, pois o mentor dos acontecimentos havia sido esquecido pelos assessores municipais.
A falta de pediatras e clínicos não se resolve com a residência na Santa Casa. É condição necessária, mas não suficiente. É preciso acenar com melhores salários e exigência de dedicação. Não se pode contratar “especialistas” sem qualificação prévia.
Além da qualificação profissional que é o mais importante, e também a promessa de melhores salários, o município precisa acudir a Santa Casa quando tem os serviços médicos comprometidos por suspensão de exames que não são feitos por laboratórios terceirizados que não recebem e ou fornecedores que suspendem a entrega de material porque não foram pagos. Isso compromete a dinâmica e o funcionamento do hospital e a repercussão maior é sobre o cidadão.
Hoje, o Pronto-Socorro e a UTI geral estão muito melhores. O 5º andar foi reformado e entregue a um corpo de médicos intensivistas que pratica medicina de alto nível e que também fez exigências para que pudesse funcionar dentro dos padrões técnico-científicos necessários para uma boa prática médica.
Os recursos são limitados, a Santa Casa, como qualquer outra instituição, é limitada. A solução só virá pela qualificação e bons salários de médicos que resolvem na periferia (UBS) para não sobrecarregar os hospitais. Diante dos acontecimentos e realizações destacadas pela imprensa vale uma reflexão. A contratação dos visitadores após intervenção do ministério público mandando atualizar a UTI neonatal, o programa de residência em pediatria que só se concretizou porque o idealizador foi direto à secretaria de saúde, o esquecimento do mentor das realizações no dia da assinatura do convênio, acreditar que um programa de residência vai resolver o problema de saúde infantil em Campo Grande, a amaurose administrativa em ver que se faz necessário investir no atendimento primário com qualificação de clínicos e pediatras, evitar que a Santa Casa interrompa serviços prioritários por falta de material e se deixar iludir pelos holofotes, é no mínimo esperteza. É preciso trocar a esperteza política das manchetes da imprensa pela sabedoria política das decisões corretas e oportunas.
LUIZ OVANDO, Médico clínico da Santa Casa e professor de Medicina