Em tese, os vereadores de Campo Grande têm obrigação de analisar detalhadamente todos os projetos que são encaminhados pelo Executivo. Por isso, nada mais natural que "travem" a medida que prevê mudanças importantes na lei do uso do solo na região sul da cidade, ainda mais numa época em que a cidade inteira quer saber o porquê dos estragos provocados pela chuva no cruzamento da Rua Ceará com a Ricardo Brandão e dos alagamentos ao longo do Córrego Prosa. A maior parte dos especialistas diz que é fruto da ocupação desordenada da região centro-norte da Capital. Por isso, novas mudanças precisam ser criteriosamente estudadas.
Contudo, até o mais ingênuo dos campo-grandenses sabe que não deve ser por zelo com a cidade que os vereadores não aceitaram votar a medida no afogadilho, como pretendia o Executivo. Nem nesta nem em outras legislaturas verificou-se esta preocupação. O atual grupo, por exemplo, votou um pacote de medidas minutos depois de tomar posse. Nem mesmo o título dos projetos muitos deles chegaram a ler. Quer dizer, há décadas os vereadores dizem amém a tudo o que é encaminhado pelo prefeito, o que é de conhecimento público e não acontece somente em Campo Grande.
Por isso, não é necessário ser muito esperto para concluir que algo estranho existe sob esta repentina preocupação. O próprio prefeito Nelsinho Trad chegou a admitir que os vereadores estavam fazendo "barganha suja" ao retardarem a votação do projeto que permite a vinda de construtora mexicana que pretende edificar 3,1 mil imóveis na saída de Campo Grande para São Paulo. Embora tenha tentado recuar e jogar a responsabilidade pela "alfinetada" à imprensa, as gravações impediram e o conflito aberto instalou-se entre os dois poderes. Após reunião a portas fechadas, chegou-se ao acordo de que na segunda-feira o projeto será votado. Se alguém cedeu ou se foi concretizada alguma "barganha suja" neste encontro a portas fechadas, protegido por quase uma dúzia de guardas municipais, só os participantes podem dizer.
Por outro lado, os vereadores alegaram que o projeto ficou tramitando durante mais de dois meses em órgãos da própria prefeitura e por isso não poderiam, agora, ser responsabilizados por uma possível desistência da construtora mexicana caso não aprovassem a medida a tempo e ela optasse por fazer o investimento em São José dos Campos. Quer dizer, ao enviar o projeto num dia e esperar que a Câmara o votasse no dia seguinte, o Executivo deixou claro, mais uma vez, a relação de submissão de um poder em relação ao outro. Ou seja, o prefeito tinha absoluta certeza de mais um "sim senhor" por parte dos vereadores, indicando que ambos fazem de conta que são independentes e autônomos. Como isto não aconteceu, classificou a resistência como "barganha suja", o que possivelmente aconteceu, pois a Câmara está pleiteando repasse superior ao previsto até agora. Este episódio é somente mais um de uma longa história do mais escancarado "jogo do faz de conta". Até mesmo os supostos oposicionistas, que em determinados períodos realmente existem, estão subindo e descendo deste palco mediante às ordens do diretor desta peça teatral.