Quando eu era pequeno, uma vizinha metida a cigana leu a minha mão. Disse, com toda a firmeza, que eu seria bem-sucedido, casado, pai de família, três filhos (errou, tenho dois) e que teria longa vida. Antes de qualquer comentário, meu ou de minha mãe, que a tudo assistia, complementou com semblante sério: “Vais morrer no mesmo ano que o Brasil conquistar o décimo campeonato mundial”.
Desde então dona Dalva deixou de torcer pela seleção canarinho. Bobagem! Nostradamus, tarô, mãe Dinah, não creio em nada disso! Mas, às vezes, me pego imaginando o futuro. Como será Campo Grande daqui a cinquenta anos? Deixo de lado pensamentos catastróficos, os Maias, o aquecimento global e o choque de um cometa com nosso planeta. Imagino nossa cidade no futuro. Será uma grande metrópole, com seus cinco milhões de habitantes, gente humilde e trabalhadora, muito embora poucos se conheçam pessoalmente e os relacionamentos se restrinjam a imagens e digitações com auxílio de computadores.
Sair de casa só em alguns eventos, do tipo show ao vivo dos artistas veteranos como Luan Santana, Maria Cecília e Rodolfo entre outros. Mas só os velhinhos saudosos irão ver, pois os jovens estarão ocupados na própria criação de uma cópia performática artisticamente perfeita, que canta, dança e interpreta a seu bel prazer. Em 2060, nossa cidade terá metrô, que sairá de Terenos, então um município da grande Campo Grande, indo parar em três minutos no terminal de Anhanduí, para depois partir até a cidade velha – o atual centro da Capital – e de lá para além do Parque dos Poderes, onde uma outra cidade estará erguida, a cidade nova, repleta de eucaliptos e ipês floridos.
Não haverá carros, motos, táxis, ônibus, apenas o sistema de metrô e esteiras de rolagem alguns metros acima das ruas, nas quais, pacientemente, o campo-grandense do futuro se deslocará rumo a seu destino, em vez de caminhar pelas calçadas, então transformadas em canteiros da flora pantaneira.
Veículos serão desnecessários. Que maravilha! O trânsito terrível de Campo Grande tem os dias contados. Buzinaço, poluição, gente atropelada estendida no chão, os carros dos bombeiros e do Samu apitando freneticamente e gente fazendo de tudo para dar passagem, isso irá acabar!
O sistema de saúde do futuro será feito por agentes robôs, idealizados para funcionar ao mesmo tempo como médico, laboratorista, enfermeiro e avó, sim, avó, que é pra fazer aquele carinho inesquecível, aquela afeto caloroso e o rosto angelical imprescindível quando estamos doentes. Será o fim do câncer, do diabetes, Aids, infarto e derrames. Bastará um simples comprimido, ou, nos casos mais graves, uma pequena ingestão de células-tronco.
Bebeu demais, entupiu-se de picanha? Seu fígado pifou, o coração deu pane? Células-tronco neles e tudo fica novo em folha. O fim das filas nos postos de saúde e de gente morrendo nos corredores dos hospitais. Não haverá mais os grandes monumentos erguidos para a prática da fé. Serão desnecessários. O pastor, o padre, o rabino e até o pai de santo entrarão diretamente nos lares por meio de imagens de terceira dimensão. Ainda estarão no aguardo do retorno do Messias e no dia do julgamento final, cada dia mais perto de acontecer, segundo eles.
E o melhor de tudo: os políticos estarão extintos em 2060. Farão parte de murais de sites de museus, no setor fúnebre, expostos em um único quadro, como uma nova Guernica, de Picasso. Darão lugar ao sistema integrado de Governo, um hardware desenvolvido por uns jovens, lá pelos idos dos anos 2020, sistema preciso e competente, que funcionará partindo do princípio que a distribuição de riquezas e a igualdade social sejam parte principal de composição de nosso País.
Quando este ano chegar, de mim nada restará senão a lembrança, dificilmente estarei vivo aos noventa e cinco anos. Se algum jovem achar que deve, recorte e guarde este texto, diga lá em 2060 que isso foi escrito cinquenta anos atrás. Ria ou chore depois, mas não invente. Qualquer que for o resultado, não me chamar de vidente, mas um maluco ilusionista que ousou crer que no futuro as coisas irão melhorar.
ANDRÉ LUIZ ALVEZ, [email protected]