A leitura de “O príncipe” me veio como um desafio. Estamos em ano eleitoral e entre as disciplinas que vou ministrar neste semestre uma delas se chama “Ciência política”. Li este pequeno opúsculo por várias vezes em anos anteriores, mas para explicar melhor as relações de poder existentes na sociedade contemporânea, resolvi fazer uma nova leitura da obra. Descobri então, que gosto da forma como Maquiavel consegue expor as artimanhas e a podridão no modo de se fazer política através dos tempos. Nas entrelinhas da obra Maquiavel vai mostrando que a política é feita nas relações diárias. O ser político é apenas uma das etapas do fazer política. Por isso, o discurso de que todos os políticos são corruptos interessa apenas aos que realmente fazem da política uma forma de corrupção. Não é possível negar que nossas relações são relações de poder e por este motivo, todo cidadão faz política mesmo que não queira. Não estou falando aqui de política partidária, mas das ações que todos temos no dia a dia e que direta ou indiretamente influenciam nas estruturas maiores de poder. É importante ressaltar que se alguém é corrupto nas pequenas coisas também será nas grandes. Martin Seymour-Smith na obra “Os cem livros que mais influenciaram a humanidade” defende que “O príncipe” é, afinal de contas, o produto da amargura que sentia em relação ao que lhe acontecera e também o produto do seu conhecimento do pior lado da natureza humana. Quem se dispuser a ler este opúsculo vai perceber que esta percepção conduz toda a leitura para no final chegarmos à conclusão de que Maquiavel conseguiu com absoluta franqueza mostrar a realidade tal como era e não como as pessoas desejavam que fosse. Não me canso de lembrar que dentre os textos que são tidos como imortais, este livrinho ocupa um lugar à parte e único. É sem dúvida um livro que conserva seu poder e fascínio sobre quem se arrisca a folhear suas páginas. Mas, antes de condenar Maquiavel é importante que o leitor se lembre que quem analisa os meios necessários para manter a tirania, nem por isso a aprova. Apesar de ter escrito mais sobre o principado, ele foi um dos maiores defensores da república em todos os tempos. Maquiavel (1996, p.07) defende que “os homens gostam de mudar de senhor, acreditando com isso melhorar”. Está aí o motivo pelo qual nos iludimos politicamente a cada quatro anos. “O príncipe” é um livro de orientação prática de algumas ações políticas que o príncipe deve fazer para conquistar e se manter no poder. Para Maquiavel (1996, p.80) “o príncipe deve ser ponderado em seu pensamento e ação, não ter medo de si mesmo e proceder de forma equilibrada, com prudência e humanidade, para que a excessiva confiança não o torne incauto, nem a exagerada desconfiança o faça intolerável”. Observe que se por um lado, Maquiavel era defensor de táticas severas e cínicas, por outro, ele era um patriota idealista. A obra de Maquiavel é algo que resultou de sua experiência praticada no convívio com os políticos de sua época. O principal alvo de preocupação era o Estado e a sua forma de manutenção. Para ele, os fins justificavam os meios: um governante deveria fazer qualquer coisa para atingir seus objetivos. Ao escrever “O príncipe”, Maquiavel desejava guiar os governantes, alertando-os sobre as armadilhas da selva política. Mesmo que muitas vezes o autor tenha sido erroneamente interpretado, algo de bom fica de tudo isso: o conjunto de suas ideias se constitui hoje num marco que divide a história das teorias políticas. Maquiavel busca formalizar um manual de como um príncipe deve conduzir suas ações a fim de manter pelo maior tempo possível sua conquista com prestígio e segurança. O autor busca fazer uma análise histórica dos acontecimentos na Europa e desta forma contribuir com a atuação de um príncipe modelo. Nicolau Maquiavel nasceu no dia 3 de maio de 1469 em Florença na Itália. Despojado de todos os seus cargos da nova República, morre pobre em Florença, no dia 21 de junho de 1527 onde é chorado apenas por poucos amigos. Como escritor publicou entre outras obras como “A Mandrágora”, “A arte da Guerra”, “Comentário sobre a Primeira Década de Tito Lívio”. Independente de admiradores e críticos, não se pode negar a influência de Maquiavel. Seu trabalho e suas ideias continuam sendo lidos e discutidos com muita efervescência e ele é e sempre será considerado um dos principais filósofos políticos de todos os tempos. Mas nunca é tarde lembrar que para fundar um Estado, para restaurar um regime corrupto, para dar uma constituição a um povo em decadência, as medidas extremas revelam-se inevitáveis. Com tudo o que temos visto nos últimos anos na forma de fazer política no Brasil, é fácil assegurar que as coisas precisam mudar nem que para isso sejam necessárias medidas extremas. Para Maquiavel, um homem prudente deve sempre seguir os caminhos abertos pelos grandes homens e espelhar- se nos que foram excelentes. Pena que na política brasileira existam tão poucos homens considerados grandes. Muitos se julgam grandes, mas são na verdade apenas megalomaníacos e logo serão esquecidos pela história. Em Mato Grosso do Sul é fácil perceber a mania de grandeza dos que ocuparam cargo executivo. Alguns até alegam estar seguindo a máxima de Maquiavel (1996, p.105) quando este defende que “nada torna um príncipe tão estimado quanto realizar grandes empreendimentos”. A vontade de realizar grandes empreendimentos tem feito, no passado recente, alguns políticos inaugurar hospital em construção e até uma rodoviária inacabada que ainda hoje pode ser vista com um bom exemplo do descaso para com o dinheiro público. E, para finalizar é importante apenas ressaltar que, de acordo com Maquiavel (1996, p.115) “os homens sempre se revelarão maus, se não forem forçados pela necessidade de serem bons”. Para nós que estamos nas microestruturas do poder fica o consolo de que, pela corrupção generalizada, as medidas extremas estão se tornando inevitáveis.