Bruno Grubertt
Durante o dia, uma rua comercial movimentada, conhecida pelas lanchonetes, locais de encontro tradicionais. A imagem tranquila da Rua Sete de Setembro é transformada à noite, quando o último estabelecimento – uma farmácia – fecha as portas, às 20 horas. O produto vendido, agora, passa a ser a droga.
A movimentação de veículos e dos poucos moradores ao longo da via não intimida o encontro que parece reunir pontualmente usuários de drogas na região. Jovens, homens e mulheres começam a surgir aos poucos e caminham de um lado para o outro, demonstrando agonia – parecem esperar ansiosos pela retirada do último grupo de amigos, reunido na calçada, para que a rua, enfim, fique deserta.
São quase 23 horas de quinta-feira, véspera de feriado, quando, na quadra situada entre as ruas 14 de Julho e 13 de Maio, aparece o primeiro viciado. Ele está em busca da droga escondida aos pés de uma pequena árvore, que cresce na calçada. Meio sem jeito, o rapaz moreno vestido em roupas largas e escuras olha para os lados e abaixa, parecendo procurar algo que, aparentemente, encontra e leva para a esquina. Lá, outros aguardam a chegada dele e, então, desaparecem para um local mais escuro. O fogo do isqueiro, usado para acender o baseado (cigarro de maconha) e as latas de metal para fumar o crack, é compartilhado.
A partir daí, o transtorno sentido e reclamado pelos moradores e comerciantes da região fica evidente: a Sete de Setembro transforma-se na feira-livre do tráfico de drogas. “Eu tô cheia de pedra aqui”, grita uma mulher, fazendo referência ao crack, droga de efeito profundo, cujo consumo tem se tornado cada vez mais comum.
“Todos os dias é assim. A gente fica com medo de sair de casa. Eles brigam, gritam aqui na frente e não tem o que a gente fazer, só chamar a polícia”, reclama uma moradora da região, que, como todos os outros ouvidos pela reportagem, teme identificar-se. Ela reclama que a região se tornou ponto de encontro de viciados e pequenos traficantes de droga. “Tá virando a ‘cracolândia’”, reclama. “Vem gente de todas as classes sociais comprar droga aqui”, denuncia uma comerciante.
Moradores e empresários são unânimes em dizer que a movimentação de prostitutas, travestis e usuários de drogas sempre ocorreu no local, porém, teria aumentado após a desativação do antigo terminal rodoviário de Campo Grande, ponto conhecido pela concentração de usuários.
A Polícia Militar reconhece que a Rua Sete de Setembro, bem como outras vias do centro, tenham se tornado grandes bocas de fumo. “Na antiga rodoviária tinha um grande número de pessoas que usavam e vendiam drogas. Por meio de algumas operações de presença, a gente acabou retirando essas pessoas”, explica o comandante-geral da Polícia Militar (PM), coronel Carlos Alberto David dos Santos. Segundo ele, com a atuação dos policiais em alguns pontos, usuários e traficantes procuram outro local para ficar. “Antes, o ponto de encontro era na Praça Ary Coelho. Como estamos mantendo lá o policiamento direto, além da atuação do serviço de inteligência da PM, eles acabam migrando”, disse.
Criminalidade
Moradores e comerciantes têm presenciado o aumento no número de pequenos roubos e furtos na região. Só na última semana, pelo menos duas pessoas foram assaltadas. No mesmo período, também foram registrados pequenos furtos, como de lâmpadas fluorescentes levadas do estacionamento de uma loja.
Especialistas acreditam que o aumento dos crimes pode ter relação com a presença de viciados. “A droga, além de provocar deterioração do cérebro, comprovadamente também provoca a deterioração social do sujeito. Então, a pessoa que aparentemente não seria um criminoso, pela necessidade do uso da droga, vai começar a cometer crimes”, explica o psiquiatra e psicanalista Fábio Paes Barreto, coordenador de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde.
Policiamento
Em um período de três horas em que acompanhamos a movimentação na Sete de Setembro, uma viatura da Polícia Militar passou três vezes pela via. Nesses momentos, o movimento de pessoas na rua diminuía por poucos minutos, mas logo voltava. Nenhuma pessoa foi abordada pelos militares.
“O grande problema nosso é que as pessoas precisam de tratamento e não de polícia. Isso não é problema da polícia”, afirma o coronel David. Segundo ele, o trabalho de repressão ao coméricio de drogas tem sido feito pela PM, porém, os usuários são soltos e voltam a comparecer aos encontros do tráfico para alimentar o vício.
Para ele, a sociedade e o poder público precisam enfrentar o tráfico de drogas como um problema social. “Precisamos conjugar as ações [de repressão e tratamento]. A gente precisa afastar essas pessoas das drogas, senão vira um caminho sem volta”.
Efeito avassalador
O efeito da droga é instantâneo. Depois de aquecer a lata, usada para queimar as pedras amareladas do crack, a “noia” começa a ser sentida. Uma explosão de euforia faz o usuário gritar, cantar músicas com letras sem sentido e até deitar no meio da rua, como se fosse para sentir a textura do asfalto.
Subproduto que resulta do refinamento da pasta base, o crack tem atraído cada vez mais usuários no Brasil. A explicação pode ser o baixo preço, em comparação com outros entorpecentes, como maconha e cocaína, e o poder da alucinação provocada em quem inala a droga. “O princípio ativo [do crack] é o mesmo da pasta base e da cocaína. Mas ele tem efeito muito mais rápido e também passa mais rápido, por isso os viciados ficam naquela compulsão”, explica o psiquiatra Fábio Paes Barreto.
Os sintomas do vício, que, segundo o médico, podem aparecer após um mês de consumo da droga, são visíveis. Pode haver irritabilidade e negligência dos compromissos sociais, como o trabalho. O usuário geralmente emagrece, pois perde a vontade de comer. Além disso, surgem problemas pulmonares e, dependendo do uso, o vício pode causar a morte, em caso de intoxicação, ou overdose.
De acordo com informações do Ministério da Saúde, que, no início do ano, lançou campanha para desestimular o uso do crack, além dos efeitos da droga em si, a forma de fumar também provoca danos à saúde. Quando inalada por meio de uma lata de alumínio, geralmente de refrigerante, o usuário inala, além do vapor da droga, o metal que se espalha pela corrente sanguínea e provoca danos ao cérebro.