As cenas mostradas nos últimos dias na televisão são impressionantes: cidades varridas pelas águas dos rios, montanhas de lixo, barro, restos de casas, móveis e veículos, como se houvesse passado por ali uma onda de força descomunal. As cenas são de cidades nordestinas, principalmente da região de União dos Palmares, em Pernambuco e Branquinha, em Alagoas. Vidas perdidas, danos materiais, o desamparo e o desalento ante o irrecuperável. Impossível medir a dor de quem está diretamente exposto a tais situações. Impossível também não se comover com as cenas e querer, de alguma maneira, colaborar.
Mais uma vez mais a população brasileira se mobiliza para minorar o sofrimento e a penúria de irmãos distantes. Mais uma vez serão divulgadas as estatísticas sobre a tremenda capacidade do brasileiro de doação e de participação solidária.
No Brasil, bem como no resto do mundo, tragédias humanas provocadas por forças da natureza sempre ocorreram – muitas delas nem foram devidamente noticiadas, pois que antecederam a era das grandes coberturas jornalísticas. Mesmo assim, a quantidade de eventos catastróficos ocorridos no Brasil nos últimos anos impressiona. Apenas para resgatar os mais recentes e fartamente divulgados na mídia, podemos lembrar os ocorridos em Santa Catarina, às vésperas do Natal de 2008, as enchentes e quedas de morros no litoral norte de São Paulo e no Rio de Janeiro, quando as celebrações do ano novo de 2010 foram sepultadas pela dor, e os desabamentos de morros no Rio, incluindo a favela erguida sobre um lixão, soterrada em Niterói em abril deste ano.
Diante da tragédia instalada, volumes consideráveis de recursos são liberados e forças-tarefas emergenciais são deslocadas para atender a urgência da população. Além das perdas humanas, estas irreparáveis, há um grande volume de dinheiro público investido, que nem sempre chega aos devidos destinos. E assim nos cabe perguntar: onde ocorrerá o próximo episódio? Quando a fúria da natureza será novamente apontada como a responsável por tantas perdas?
Em todos esses eventos é muito fácil observar um conjunto de erros recorrentes, muitos deles primários, relacionados a pelo menos uma das seguintes causas: falta de planejamento nas ocupações urbanas; falta de fiscalização para impedir o uso de áreas de risco; falta de seriedade na proteção das áreas naturais que devem ser reservadas aos eventos naturais – as nossas chamadas APP’s, Áreas de Proteção Permanente e, por último, mas não menos importante, falta de severidade na punição aos verdadeiros responsáveis pelas ocorrências, seja pela atuação errônea ou pela omissão.
Para quê os municípios gastam na elaboração de Planos Diretores para áreas urbanas e o país tem uma Lei Ambiental, incluindo o Código Florestal, elogiada e até copiada por outros países, se não fazemos uso dessas ferramentas? A aplicação de medidas com base em pesquisas desenvolvidas por Universidades e outras instituições, a maioria de natureza pública (ou seja, com uso de recursos públicos), cujos resultados estão disponíveis para os órgãos da administração pública, seria mais que suficiente para garantir uma diminuição considerável de tantas tragédias que arrasam a população brasileira!
Estamos quase concluindo uma década do Século XXI e ainda continuamos a agir como fôssemos medievais. É passada a hora de o país deixar de tratar das consequências para tratar das causas, adotando definitivamente a prevenção, baseada em planejamentos sérios e com respaldo da legislação. Não é esse o modelo preconizado para a saúde humana? Por que não para a saúde ambiental? Ao invés disso, continuamos a contrariar a lógica e a ciência e a bancar horas e horas de trabalho de nossos excelentíssimos deputados e senadores, debruçados na árdua e urgente tarefa de mudar O Código Florestal vigente, pois que “demasiadamente severo” e “contrário ao progresso”. Tal discurso poderia servir aos apelos desenvolvimentistas das décadas de 1960-70, mas definitivamente não se encaixa na atual visão adotada pelo planeta - da sustentabilidade, da seguridade social, da participação cidadã, da política ética e da solidariedade com os homens e com o planeta.
Muitos dizem que é utópico ou visionário, mas queremos outro modelo de Progresso – não com a Ordem que reprime e silencia, mas com aquela que ampara, cuida, previne de danos e defende nosso povo e nossos recursos naturais. Em tempos de Copa do Mundo, bandeiras também pelo cuidado ambiental sábio, eficiente e vencedor!
Maria José Alencar Vilela, Profa Drª da UFMS/Campus de Três Lagoas - E-mail [email protected]