A visível – e sentida – mudança climática no País tem sido assunto nos quatro cantos do Brasil. Temperaturas altas, que também atingiram Mato Grosso do Sul, elevaram Três Lagoas a município que registrou a temperatura mais alta no Estado nos últimos 13 anos: 40,5 graus. Nesta entrevista, a meteorologista Cátia Braga, do Centro de Monitoramento de Tempo, do Clima e dos Recursos Hídricos de MS, fala sobre estes fenômenos, atribuídos, em sua concepção, à variabilidade climática. Ela conta que os pecuaristas são “clientes” fiéis das previsões do clima, e qual a diferença entre índice de calor e sensação térmica.
CORREIO PERGUNTA –Muito mais do que em anos anteriores, o mundo está sabendo – por meio da mídia – e sentindo na pele os efeitos extremos de altas e baixas temperaturas. Esses podem ser fenômenos climáticos mais frequentes e intensos daqui para frente? Por quê?
cátia braga – Eu acredito em variabilidade climática. Que há ciclos e que acontecerá este tipo de episódio – muito calor ou muito frio – em períodos. Eu sou prudente ao falar sobre mudanças. Porque se você usa uma blusa rosa por dez anos e depois muda, na verdade não é mudança, é uma variabilidade. Eu acredito que vai acontecer novamente, mas em ciclos. Este calor intenso que acontece este ano – e bate recorde – não acontecia há 71 anos. Mas, então, aconteceu há 71 anos, está acontecendo agora e, quem sabe, acontecerá daqui a 70 anos. Eu chamo isso de variabilidade climática.
A senhora poderia explicar como estes fenômenos ocorrem na região Centro-Oeste e quais são as perspectivas no que se refere a calor, nível de chuva, ventos e inverno?
O principal fenômeno atmosférico que acontece aqui no Estado, no período de verão, é o fator termodinâmico – que ocorre também em outros lugares. Isso nada mais é do que calor e umidade em superfície, que gera uma instabilidade. Formam-se nuvens e acontecem estes temporais localmente. Nessa última semana, um jornalista me comunicou sobre um possível tornado que aconteceu na Avenida Zahran. Eu disse que poderia até ter ocorrido um minitornado, um F-Zero, que é o menor, mas ocorre porque há esta instabilidade muito rápida em razão do calor. E nós temos aqui também a zona de convergência do Atlântico Sul, que é própria do Centro-Oeste, ela pega da Amazônia até o sudeste de MS. Nós ficamos bem no meio da zona de convergência, então, acontecem muitas chuvas neste período e esta zona de convergência acontecerá toda a vida. Nós temos também influências das frentes frias. Nestes próximos dias, haverá uma frente fria no Sul do País porque não temos mais o bloqueio atmosférico que aconteceu há pouco tempo e que não deixou as nuvens de chuva se formarem. Esse bloqueio acabou e essa frente fria avançará, mas eu não acredito que pegue todo Mato Grosso do Sul, ela deve ficar mais na região sul do Estado.
Isso significa que o calor intenso nos dará uma trégua?
Sim, ele vai diminuir. Nós estávamos com temperaturas de 35, 36 graus aqui na Capital; então, teremos 30, 31 graus, portanto, diminui. Não é uma diminuição muito grande, mas acontecerá. E nós temos cidades com temperaturas bem mais altas, como Corumbá, Porto Murtinho e Três Lagoas, que bateu recorde no último dia 6, com temperatura de 40,5 graus. Esses são os fenômenos atmosféricos mais frequentes no período do verão. Eles é que causarão e causam chuvas aqui no Centro-Oeste, principalmente em MS.
E como é que será o nosso inverno, rigoroso?
Nós estamos num período de neutralidade, ou seja, sem o El Niño e sem o El Niña. No ano passado, nós também tivemos neutralidade e um inverno bastante rigoroso. Eu acredito que o próximo inverno será bastante rigoroso como está sendo o verão. Temos verão com recorde de temperatura e o inverno passado bateu recorde também. Nós tivemos temperaturas negativas em Corumbá. Nós temos este registro porque há uma estação meteorológica numa fazenda em Inhumirim, que fica dentro da Embrapa Pantanal. Lá, nós tivemos temperaturas negativas em pleno Pantanal. Eu acredito que o mesmo se repetirá neste ano, no Estado.
O que vem causando chuvas abaixo da média histórica no Estado?
Variabilidade climática. Esta é a palavra que eu mais uso. Tem ano que chove mais, tem ano que chove menos. Mas este ano tivemos o bloqueio atmosférico, que é um sistema de alta pressão que ficou paralisado. Ele promove um efeito tampa na atmosfera. Há um movimento de subsidência no ar, ele vai para baixo, causando um efeito tampa, efeito de pressão, com aquela sensação de abafamento, e impede a formação de nuvens de chuva. Esse foi o fenômeno atmosférico que aconteceu nesse período que não teve chuva. Mas eu acredito que até o fim de fevereiro ainda tenhamos muita chuva – e acompanhada de vento. A típica chuva de verão, que vai causar estrago, alagamento – este último por falta de drenagem – vai até dia 18, 19 de fevereiro. Teremos chuvas na região pantaneira, acima de 60 mm. A partir de 18 de fevereiro as chuvas ocorrerão, mas em menor volume.
Quais as temperaturas mais altas e mais baixas já registradas em MS?
A temperatura mais alta já registrada em Mato Grosso do Sul foi em Três Lagoas, em 6 de fevereiro deste ano, de 40,5 graus. E eu devo esclarecer que Mato Grosso do Sul tem estação meteorológica há poucos anos. Apenas de 2008 para cá é que começou a bombar esse tipo de estação. O que havia antes era apenas em Corumbá, Ivinhema e uma na região do Bolsão. Portanto, poucas estações meteorológicas. Os dados que temos acesso são de 2001 para cá, portanto, Três Lagoas foi quem registrou a maior temperatura. E foi maior do que a registrada ano passado, em Porto Murtinho, com 39,8 graus. Então, não havia temperatura registrada de 40 graus, apesar da sensação de calor muito maior. E, para completar, segundo estudo do Inmet, há temperaturas baixas. Em 1975, houve geada negra, na qual há perdas grandes na agricultura. Tivemos temperaturas de menos 3 em Ponta Porã, em 1975, e menos 2 em Três Lagoas, no mesmo ano. Então, no Estado temos o contraste de temperaturas muito elevadas, é um Estado quente; mas também temos temperaturas muito baixas. E posso dizer que em 2012 nós não tivemos um inverno tão rigoroso como o de 2013.
Pecuaristas costumam consultar o serviço meteorológico do Estado para tomar decisões?
Nós fazemos laudos meteorológicos para prefeituras (defesa civil), universidades, se precisarem, mas, principalmente, para produtor rural ligado à Agraer, gratuitamente. E nós vamos frequentemente na Famasul, onde eles reúnem os pecuaristas para uma palestra aqui do Centec, na qual falamos sobre a previsão climática. Porque há uma diferença entre tempo e clima. Tempo é o que acontece em pouco tempo, contado por horas, dias. Então, eu sou meteorologista, faço a previsão do tempo. Previsão de clima já é mais para o climatologista – mas o meteorologista também faz essa previsão climática porque uma atividade está inserida na outra. Saber do clima é o que o pecuarista mais quer; saber sobre a próxima estação, quatro a cinco meses depois, o que acontecerá. Eles (os pecuaristas) sempre querem saber sobre a próxima safra, sobre o inverno. Um exemplo é o inverno do ano passado, com muita geada, que acabou com as culturas em geral. E neste ano não será tão diferente, será rigoroso. Posso fazer uma analogia com o ano passado, que foi um ano neutro, sem El Niño e sem El Niña, e tivemos uma geada bastante forte. Haverá temperaturas negativas até no Pantanal.
A partir desse cenário climático dos últimos anos, vocês notaram mudanças significativas em MS, principalmente no que se refere ao ciclo hidrológico, com ênfase no Pantanal?
Eu não tenho estudos sobre o Pantanal. Tenho contato com o pessoal da Embrapa Pantanal, mas eu não os vejo falando sobre alguma coisa tão significativa assim. O Pantanal é, geralmente, muito cheio e tem momentos em que fica seco. Eu não consigo mudar o rumo da conversa a não ser falar, de novo, em variabilidade. Muita gente quer que associemos isso a aquecimento global e eu sou receosa em falar disso. Eu falo em variabilidade climática sempre. Mas, se nos basearmos em pesquisas sobre essa área, veremos que sempre houve períodos de muita cheia e períodos de seca. Portanto, eu não vejo mudanças significativas no Pantanal, nesses últimos anos, que não sejam justificadas pela variabilidade climática.
O que é básico e que a população deve fazer para contribuir e não interferir tanto na mudança climática?
Eu penso que o primordial é cuidar da natureza. Não desmatar, cuidar da água, não abusar do uso dela. Mas eu acredito que as pessoas não interferem no tempo. O que vai interferir no clima de um planeta é muito mais do que essa ação humana. É nisso que eu acredito. Há uma coisa chamada Sol, há vulcões, há muitos fenômenos naturais que vão interferir no clima e não o ser humano. Não é o gás carbônico, não é o CO2 que vai fazer esta mudança significativa no clima.
Há alguns anos as estações eram perfeitamente definidas no Centro-Oeste e no Brasil, em geral. Hoje, São Paulo deixou de ser a terra da garoa e MS não pode ser mais tachado de Estado mais quente do País. Por quê?
Dizem isso, mas veja que as temperaturas não chegam a 40 graus tão frequentemente como as pessoas imaginam. Porque existe o índice de calor, que é o que nós sentimos no período do calor. Então, com temperaturas altas, nós fazemos uma ligação com umidade. Temperatura e umidade relativa do ar dão a sensação de que nós estamos com muito calor (chamado índice de calor). Quando falamos em frio, sensação térmica é o termo correto. Então, sensação térmica é quando temos temperaturas de até 20 graus com ventos. Na terminologia popular tudo vira sensação térmica, mas, na verdade, é índice de calor.