18 MAR 10 - 08h:00MAURI VALENTIM RICCIOTTI, PROCURADOR DE JUSTIÇA.
Nos últimos anos temos visto uma avalanche de denúncias contra altas autoridades
ou detentores do poder econômico. Alguns até foram presos, mas foram imediatamente
liberados por instâncias do Poder Judiciário. As justificativas mais recorrentes sempre
foram as deficiências ou abusos das investigações. E esses argumentos raramente serviram
para conceder esses mesmos benefícios aos milhares de pobres que são recolhidos aos
cárceres todos os dias. A indignação da sociedade ganhou corpo, afinal, o tratamento
desigual tem sido explícito.
A prisão do governador Arruda, por ser inédita, já deu novo alento. A sua manutenção
atrás das grades, então, mostra uma nova postura do Judiciário. Já não era sem tempo. A
população está cansada de tantos desmandos daqueles que deveriam, em princípio, dar
exemplos. Embora traumática a prisão de um governador de Estado, mais traumáticas
ainda foram as cenas vistas à exaustão, mostrando explicitamente o descaso de
inúmeros componentes do Poder no Distrito Federal, na prática da corrupção. Essas
provas, irrefutáveis, constituem um verdadeiro “documentário”, digno de ganhar prêmios
internacionais, mercê do seu realismo, ineditismo e por tratar de tema tão atual.
É de se perguntar: qual a razão da mudança de comportamento do STF? Duas
respostas merecem reflexão. A primeira e mais evidente é o intenso clamor público,
posto que a sociedade brasileira já estava desanimada, sem forças para protestar, ante a
morosidade no andamento de processos contra figurões e a complacência usada no trato
desses casos rumorosos. Aos olhos do povo, algumas decisões foram escandalosas. A
outra resposta é o aperfeiçoamento das investigações. Tanto a Polícia como o Ministério
Público, cada vez mais, têm empenhado esforços nas investigações, agindo de forma
criteriosa, buscando apresentar provas irrefutáveis. Com isso, deixam os advogados de
defesa sem “brechas” para impugná-las, tornando mais sustentáveis as decisões judiciais
que negam benefícios a esses processados e/ou presos de “colarinho branco”.
Se esse fato for mesmo um divisor de águas, o que se espera é o alastramento desse
novo posicionamento do STF às demais cortes do Poder Judiciário, notadamente as
estaduais. É nas unidades da Federação que se encontra o maior número de processos
envolvendo altas autoridades e detentores do poder econômico. Há imensa dificuldade
em se levar adiante um processo criminal ou por improbidade administrativa contra
essas pessoas. Fundamentos jurídicos já em desuso em “casos menores” são ainda usados
para livrar da prisão ou do processo essas pessoas influentes. Com isso, a impunidade
campeia. E a impressão que fica é que essa prática criminosa encontra-se disseminada
por todas instâncias do poder.
A sociedade brasileira não suporta mais. Embora o país esteja se desenvolvendo,
a despeito destes desmandos, não é mais possível continuarmos com essa ladroagem
deslavada. Uma nação só prospera quando um maior número de seus cidadãos cumpre
as leis. Tal como num barco, é preciso que os tripulantes remem no mesmo sentido.
Se mantivermos esse processo de absoluta impunidade, não chegaremos a um porto
seguro.
Nós brasileiros, esperançosos que somos, vamos acreditar que a prisão do governador
Arruda não seja a única - muitos outros homens públicos ou grandes dirigentes de
corporações privadas deveriam estar atrás das grades. E que tal ocorra não por vingança,
mas que recebam o mesmo tratamento dispensado àqueles milhares de anônimos, presos
todos os dias, que são os presos comuns. Afinal, é assim em qualquer país que se diz
republicano, onde todos são iguais perante a lei.