Crônica

Crônica de Maria Adélia Menegazzo: "Depois de Tereza"

Crônica de Maria Adélia Menegazzo: "Depois de Tereza"

31 OUT 2017 • POR • 08h00

Deixei minha última crônica com gosto de Tereza, porque o espaço havia acabado. Falava do livro de poemas de Abílio de Barros, portanto, de uma Tereza poética, sem sobrenome ou RG, porque, em poesia, são desnecessários. Assim, ela é de todos nós, leitores e leitoras.

Depois de amar Tereza nos seus “Cantos de Espera”, o poeta dela se despede, pedindo: “Poda-me em teus olhos que infelizes floresci. eu vou partir, alcancei-me nos meus passos, vou emigrar para o meu caos”. Os eus, os meus, os teus, usados com precisão, criam um raro jogo de tempos e espelhos que multiplica e aprofunda a dor amorosa.

Em seguida, o poeta torto, como todos os poetas deveriam ser, ou náfego, como Abílio prefere, descobre o mar. Na minha história de leitora, o mar quase sempre aparece como metáfora do infinito, da imensidão prenhe de possibilidades e de incertezas. Aqui, não, aqui tudo acaba no mar.

Uma desesperança sem pressa, na rua, nos homens, nas praias, “nos olhos sem vontade de sonhar”. Escritos em 1949, os cinco poemas deste descobridor torto trazem ecos modernistas, seja em algumas imagens, como a dos homens silenciosos, dos ombros gastos pelo engano, seja no ritmo dos gestos inúteis interrompidos ou no convite para passear a tristeza de mãos dadas.

O Eu poético que amava Tereza se tornou silencioso; o outro, que amava o mar, tornou-se calado e, então, “aconteceu o só”. Aquele que vem em seguida é triste, de uma “tristeza quase saudade daquele que eu seria se triste hoje não fosse esse triste que sou”. Ensaia uma cantilena para a chuva que cai lá fora e deixa um cheiro de terra mais forte que seu poema.

Se Bandeira fala das cinzas das horas, Abílio arruma o barulho das horas. Vem agora como o experiente, e a vida conforma o dissabor de um homem só: “Eu já fiz versos ao mar… Fiz promessas, já desfiz. Esperanças?Já esperei. Hoje sou experiente.” 

Ao lado dele, os poemas terminam com o mágico, o alquimista transformador de palavras, encantador de ritmos e de imagens. Com ele e com elas, as palavras, quem pode?

Diz o poeta: “Repara que são palavras as coisas que experimentamos, por isso me satisfaz, passe de mágica, usá-las”. Aqui está presente a chamada inteligência poética.

A consciência de que poesia é palavra ritmada, manipulada, esgarçada, dissimulada ou escancarada. Não importa. Poesia não é Tereza, Marília ou flor, mas são todas elas na condição de verbo, sem a qual, melhor escrever posts na internet.

Escritos há mais de 60 anos, os poemas prenunciam o escritor de obras importantes da literatura brasileira, como “Gente Pantaneira” e “Histórias de Muito Antes”, todas resultado de uma escrita paciente e cuidadosa a lhes garantir a permanência.