Já houve momentos em que a televisão aberta tinha pouco espaço para a Copa/Liga dos Campeões, mesmo após se iniciar a transmissão regular dela. Entre 1987/88 e 1994/95, a TV Globo só exibia a final; a mesma coisa fez a TV Record, em 1995/96 e 1996/97 (nesta última, a TV Manchete também exibiu o título do Borussia Dortmund); em 1998/99, a virada incrível do Manchester United sobre o Bayern de Munique foi mostrada só nas emissoras educativas, via TV Cultura paulista. Em 1999/2000, Real Madrid 3×0 Valencia foi mostrado pela Rede TV. Mas era algo periférico. Tanto que quatro temporadas (1997/98, 2000/01, 2001/02 e 2002/03) passaram somente na ESPN Internacional, cujas transmissões em português eram feitas dos estúdios da sede mundial da ESPN, em Bristol, no estado norte-americano de Connecticut. Pois é: aquele gol de Zinedine Zidane na final de 2001/02 só foi visto ao vivo por quem tinha tevê a cabo.
Quinze anos depois, o maior torneio europeu de clubes ficará novamente de fora da televisão aberta. Não por falta de interesse – muito longe disso, aliás. Mas por causa de uma mudança que pode ser decisiva: a entrada cada vez mais firme da internet na disputa pelos direitos de transmissão. E essa entrada ganhou capítulo importante com a surpresa do Facebook. Já interessada nos eventos esportivos (comprou um dos pacotes disponibilizados pela Conmebol para a Copa Libertadores da América, por exemplo), a rede dirigida por Mark Zuckerberg se valeu de uma decisão do Grupo Globo para conseguir a importante vitória na licitação aberta pela Uefa para a compra dos direitos de transmissão da Champions, no período 2018/2021.
No início, o conglomerado da família Marinho desejava não só manter os direitos para a televisão aberta (como era desde 2009/10), mas também a compra para a televisão fechada, “unificando” o trabalho entre Globo e SporTV – este, numa proposta em parceria imaginada com a ESPN. Empresa designada pela Uefa para o controle da licitação dos direitos, a TEAM brecou o desejo global: as regras seriam como sempre foram – envelopes fechados, cada interessado manda sua proposta, a maior delas leva os direitos. Não haveria maiores nem menores facilidades além disso.
Segundo o jornalista Gabriel Vaquer, do UOL, o Grupo Globo se irritou por isso. E desistiu da proposta conjunta com a ESPN pelos direitos da Liga dos Campeões na televisão fechada – o que inviabilizou o sonho da emissora esportiva do grupo Disney: retomar o que já foi seu carro-chefe. Mais do que isso: com o grupo de mídia carioca cada vez mais pressionado para gastar mais e manter a maioria dos clubes brasileiros junto a ele no Campeonato Brasileiro, preferiu deixar de lado a Champions também na televisão aberta. Sorte do Facebook, sem concorrentes no caminho para ter sua proposta aceita.
Já era um grande triunfo. Seria ainda mais diante do que se viu na televisão fechada. Sim, a Turner ganhou novamente os direitos, já antes conquistados para o período entre as temporadas 2015/16 e 2017/18. Mas o público espectador imaginava que continuaria assistindo à Champions nos canais Esporte Interativo. No dia 9 de agosto passado, descobriu a grande e triste surpresa: seria diferente, com o fim televisivo dos canais e a demissão de muitos funcionários. Apenas a marca Esporte Interativo foi mantida, para a exibição de partidas (e programas temáticos) em TNT e Space, canais mais conhecidos da Turner na televisão brasileira por assinatura. Também seguiria a exibição no EI Plus, serviço on demand pago que a emissora oferece.
Mas houve outra surpresa revelada pelo fim dos canais Esporte Interativo: a marca também seria responsável pela transmissão no Facebook. Interna e discretamente, Turner e Facebook já negociavam a parceria, após a vitória deste na licitação dos direitos para a televisão aberta. E assim começou a ser, já nos play-offs rumo à fase de grupos: além de TNT e Space, quatro jogos (BATE Borisov 2×3 PSV, Ajax 3×1 Dynamo Kiev, Young Boys 2×1 Dinamo Zagreb e PAOK 1×4 Benfica) foram mostrados na fan page do Esporte Interativo no Facebook. Assim será na fase de grupos. Assim será até a decisão no Wanda Metropolitano, em 1º de junho de 2019.
Ter o Facebook à disposição poderia ser um sonho perfeito para muita gente que acompanha a Liga dos Campeões: interação ainda mais aprofundada com os espectadores, um estilo de transmissão livre das amarras que a televisão oferece, com a possibilidade de ver e rever os jogos sempre que possível. Não começou completamente assim: as críticas mais comuns falam no excesso de delay (literalmente, “atraso”: entre o que ocorre em campo e a exibição no Facebook, é comum se passarem alguns minutos – dependendo da velocidade da conexão e da qualidade de transmissão, muitos minutos). Ou mesmo criticarem a preferência pelo Facebook, independente da rede social mais usada pelos espectadores. São alguns problemas que a parceria Turner-Facebook terá de superar.
Mas diante de um cenário que era exclusivo da televisão, há não mais que dez anos, destronar a tevê aberta na transmissão de um evento futebolístico da importância da Liga dos Campeões é sinal de força da internet. A Uefa parece contente com a opção que fez na licitação: segundo o UOL, a entidade que comanda o futebol europeu vê a transmissão pelo Facebook no Brasil como mais capacitada para superar problemas que perturbavam as tevês – conflitos com as grades de programação, por exemplo – e para ampliar o engajamento com os “net-espectadores”.
Resolver os problemas nos próximos anos só possibilitará crescimento rumo a passos mais decisivos, e a eventos ainda mais importantes. Até agradando a maioria dos apaixonados/adeptos, que já nem espera mesas redondas televisivas para comentar os jogos – faz isso em Facebook, em WhatsApp, em canais no YouTube. Cada vez mais, também verá os jogos na telinha… de um computador ou de um smartphone.