Depois de vários apelos, cedo à sugestão de sair um pouco de casa, tomar ar fresco no fim da tarde de domingo, quando há poucas pessoas nas ruas. Contente com a decisão, a amiga deixa a missa pela metade só para me fazer companhia. A saída é quase um acontecimento! Devidamente paramentadas damos algumas voltas em torno da praça perto de casa. E voltamos.
Ao nos despedirmos com uma palavra e um sorriso por trás das máscaras, notei uma ausência. Senti falta dos costumeiros abraços e beijos na face, gestos tão comuns até outro dia. E diante da cena desajeitada vieram algumas perguntas. Como ficarão os afetos no pós-pandemia? Resistirão eles à falta de contato? Nossas amizades serão as mesmas de fevereiro? Os netos ainda pequenos se lembrarão de suas avós?
Aliás, penso nisso toda vez que faço a costumeira ligação de vídeo para os meus. O primogênito, que fará dois anos em agosto e com quem tinha profunda conexão já não me dá a mínima. Faço ginásticas, caretas, barulhos e toda sorte de truque para atrair seu olhar, chamar a atenção nem que seja por 30 segundos, ou menos. Os menores, desconfio de que não têm a mínima ideia de quem é aquela pessoa na tela que faz grunhidos e dá gritinhos na tentativa de interagir.
Mesmo assim me conforta. Claro que conforta ver suas carinhas lindas e felizes, alheios ao que se passa lá fora. E vão me esperar, com certeza. Felizmente, eles têm todo tempo do mundo para conhecer o amor de uma vovó que enlouquece ao vê-los, ainda que na tela.
Mas e os amigos? Terão eles a mesma condescendência, a paciência de aguardar nosso retorno? Guardarão a saudade como um presente para o futuro? Ou seguirão ao pé da letra os versos de Carlos Drummond de Andrade: “o melhor remédio contra a saudade é a falta de memória”, ou seja, esquecerão?
Percebo mensagens cada dia mais raras no celular. Parece que o tempo livre acabou se revelando ocupado demais. Há muito tempo para si e pouco para os outros. São muitos livros para ler, filmes para assistir, limpezas para fazer e muito trabalho. Talvez por isso a comunicação com o lado de fora seja apressada, como se fosse incômoda. Há pouca ou nenhuma paciência para ouvir alguém que, caladamente, pede uma voz que o acalme, que o anime a emergir do lugar solitário onde habita. As pessoas voltaram para seus casulos.
Recentemente vi uma pesquisa sobre as expectativas para o fim da pandemia. Encontrar os amigos era o desejo de 52% do público. Rever a família aparece na sequência com 49% das intenções. Dar uma volta a pé (45%), ir a um restaurante ou bar (36%) e praticar esportes (36%) também estão entre as prioridades.
Mas algo me leva a acreditar que o contato físico entre as pessoas continuará menor no período pós-pandemia. Creio que corremos o risco de desaprender o afeto, os abraços, as manifestações de carinho. Talvez o exercício do isolamento tenha nos tornado mais independentes ou menos carentes do olhar do outro. Tenho esta sensação cada vez que os assuntos se esgotam rapidamente numa troca de mensagens ou numa rara conversa de voz.
Sei que não sairemos iguais do isolamento. Não sei se melhores, mas diferentes, sem dúvida. Ao que sabemos, nos casulos maiores, nas bolhas mais assumidas, digamos assim, as relações talvez saiam fortalecidas. As familiares com certeza sairão. Percebo pais e mães cuja presença integral seria inimaginável tempos atrás, agora em total sintonia com o ambiente, mesmo que funcionalmente caóticos, perfeitamente adaptados e até tranquilos. Em meio a pia de louças a lavar, fraldas a trocar, compras a fazer e toda uma rotina que antes só era vista por acaso, está brotando, sim, algo chamado cooperação.
Os bebês e as crianças do pós-Pandemia talvez cresçam sentindo-se mais acolhidos, confiantes, mesmo sem parquinhos e passeios ao ar livre, cada vez mais raros. Mas a alegria de uma criança vendo um jardim nos dá esperança de que eles tratarão a natureza melhor que as gerações passadas. Pode ser que esteja nascendo uma nova geração, menos complicada, mais assertiva, atenta, amorosa e mais confiante.
Pensar que eles serão e se sairão na vida bem melhores que nós, foi a maneira que esta avó encontrou para aliviar a saudade dos netos. Que, como dizia a minha avó, estão crescendo feito fermento.