Minha avó tinha o costume de esfregar pimenta na boca de neto que ousasse falar palavrão. Lembro-me perfeitamente da minha vez, quando tive que mastigar um enorme exemplar da terrível malagueta, depois de ter proferido alguma palavra imprópria que, com certeza, hoje soaria como poesia. Colocar pimenta na boca de menino (a) que falava alguma “palavra feia” era uma tradição na maioria das famílias.
Não me recordo de ouvir meus pais e avó falarem palavrão. E claro, de alguma forma isso me influenciou. Principalmente porque me acostumei a associar literalmente cada expressão. Consigo visualizar com nitidez a palavra ou a frase dita. Por isto falar palavrão fica mesmo complicado. Nada que me impeça de dizer alguns xxxxx quando dou uma topada na quina da mesa. Mesmo assim, sem plateia. Ninguém é de ferro.
Como o assunto, ou a prática, anda tão em voga ultimamente, resolvi dar um passeio pela internet para saber um pouco mais sobre o assunto. Comecei pelo significado literal de “palavrão”, que, segundo o dicionário Aurélio é a "palavra obscena ou grosseira", podendo também ser a "palavra grande difícil de pronunciar". Também encontrei a definição como palavra de baixo calão ou linguajar obsceno.
Boa parte das pesquisas que li mostra que as palavras sujas nascem em um mundo à parte dentro do cérebro. Enquanto a linguagem comum e o pensamento consciente ficam a cargo da parte mais sofisticada da massa cinzenta, o neocórtex, os palavrões “moram” nos porões da cabeça. Mais exatamente no sistema límbico. É o fundo do cérebro, a parte que controla nossas emoções. Trata-se de uma zona primitiva onde habita nossa parte animal. Mas o sistema límbico é, digamos, burro. Burro e sincero. Justamente por não pensar, quando essa parte animal do cérebro “fala”, ela consegue traduzir certas emoções com uma intensidade inigualável.
Portanto, não é exagero dizer que os xingamentos mostram a evolução da linguagem e os podres das sociedades. De quebra, ajudam a desvendar nosso cérebro. O modo como utilizamos a língua e o respeito que a ela dedicamos fala de nossa educação, história, cultura, valores, crenças e princípios. Quando alguém escolhe explicitar as limitações de seu repertório linguístico, demonstra na maioria das vezes que não sabe adequar sua linguagem e seu vocabulário às mais diferentes situações. Isso acontece muito em meio a explosões de raiva ou contrariedade.
Deixando um pouco a ciência de lado (mas respeitando a recomendação de ficar em casa, rs), já repararam como a questão da sexualidade, principalmente a considerada “passiva”, destaca-se nos campos semânticos, digamos assim, dos quais o palavrão se nutre? Impressionante a variedade de adjetivos e substantivos que são proferidos de forma pejorativa com a maior naturalidade. No repertório de quem adota esse estilo de expressão, as partes antigamente ditas “pudentes” são as preferidas. É impressionante o des-apreço e a intimidade com que tratam a sexualidade – dos outros.
E é interessante observar o deslizamento de sentidos ocorridos com as palavras, ao longo dos tempos. Em Romeu e Julieta, de Shakespeare, por exemplo, há uma passagem dizendo: “Que a peste invada as casas de ambos!” Uma baita ofensa no século 16, quando a peste bubônica ainda era uma ameaça na Europa. Mas, sinceramente, não sei se trocar a peste pela Covid-19 tenha o mesmo efeito. Afinal estamos ouvindo algo no gênero todos os dias sem maiores consequências.
O grau de suposta agressividade também depende do contexto sócio-histórico, cultural e ideológico e da maneira como é dito. Dessa forma, o bom falante de uma língua sabe analisar as circunstâncias e os interlocutores, que dão indícios e pistas em relação ao uso de palavrões. Há situações em que eles não cabem, definitivamente.
Afinal, uma coisa é usar um palavrão em um campo de futebol, com amigos íntimos num bar, por exemplo, outra é usá-lo em uma reunião de trabalho, na vida cotidiana, nas relações com todas as pessoas.
Todo mundo conhece aquele sujeito que, ao invés de conversar, discorrer sobre o problema ou o que lhe causa descontentamento, começa a desfilar toda a sorte de impropérios que conhece, acreditando que eles darão um fim ao problema. Por isso a ciência destaca que o uso de palavrões pode se tornar um hábito, sobretudo, como já dissemos, quando o vocabulário de que o sujeito dispõe é limitado. Por fim, é importante ressaltar que (não sou eu quem diz, mas a ciência) falar palavrão pode se tornar um vício, como fumar. Por isso é sempre bom tirar as crianças da sala. Todo mundo sabe que criança aprende essas coisas com muita facilidade.
E para quem gosta de citações bíblicas, termino meu texto com uma frase do livro de Provérbios que diz: “O que guarda a boca e a língua guarda a sua alma das angústias”. E não há pimenta malagueta que dê jeito.