Todas às vezes que vejo dona Maria batendo à minha porta trazendo um pacote, eu me pergunto: o que será desta vez? Dona Maria trabalha no meu prédio há anos, é uma senhorinha muito simpática que, num gesto de delicadeza, traz minhas encomendas da portaria até o apartamento.
Antes eram quase raras, mas de uns tempos para cá elas estão cada vez mais assíduas. Chego a ficar um tanto constrangida ao receber o pacote das suas mãos calejadas pelo trabalho da faxina.
Não tem nada a ver com o peso. Normalmente os pacotes são pequenos ou alguns médios. A maioria é bem leve. O constrangimento é pelo visível consumismo que me acometeu nestes tempos pandêmicos. Tudo bem que eu sempre tive umas esquisitices consumistas, bem simplórias na verdade. Como, por exemplo, estou sempre fazendo estoque de guardanapo de papel e de xampu.
Também costumo comprar muito gengibre. E na minha geladeira o que não falta é limão. Nem ovo caipira/orgânico, minha única fonte de proteína. Também não esqueço a água sanitária, outro item recorrente na minha lista de compras. E isso começou muito antes da pandemia. Há anos, para ser mais precisa.
Cada louco com sua mania, vão dizer. Mas os tais pacotes que recentemente começaram a entrar na minha rotina não têm nada a ver com limpeza ou alimentação. São parte do processo de ansiedade do isolamento. O consumo como remédio. Que, vamos deixar bem claro, não funciona. Mas o capitalismo descobriu que cada vez que entro numa rede social (cujo nome nem falo mais), ele tenta me seduz com alguma balinha, às vezes um canhão. Sou alvo fácil, reconheço.
Já contei aqui dos cliques de compras. Inúmeros. Pois, agora estou colhendo os frutos de tamanha indulgência – ou desatino, digamos assim. E nunca sei o que vou encontrar dentro das tais encomendas que vem de todos os lugares, principalmente da China. É quase um Kinder Ovo: sempre uma surpresa. Talvez por isto a criança em mim reluta em conferir e-mails e recibos das compras.
Esta semana veio uma corda de borracha para fazer abdominais que, sinceramente, não lembro de ter comprado. Também recebi um medicamento homeopático que conheci através do filme “O Contágio”. A compra foi exaustiva. Tive que pesquisar muito para encontrar o remédio que tem nome chinês e é feito com a planta que só cresce em alguns lugares da Europa e da Ásia. Não custa tentar.
Também do Oriente recebi um emplastro para purificar o organismo eliminando toxinas. É só colar na sola do pé na hora de dormir. Dia seguinte você retira o tal emplastro e percebe que ele fica escuro e pegajoso. Já usei a caixa inteira (com apenas três), mas não sei dizer se funciona. Mas não custa tentar.
Ontem resolvi enfrentar o medo e consultar minha caixa de e-mails. Quase tive um troço ao ver que nas próximas semanas devo receber uma cerca flexível feita de plantas artificiais para a varanda; uma bolha mágica para o meu neto que fará dois anos; um sapatinho tipo tênis também para o mesmo aniversariante (devo ter achado pouco só o brinquedinho).
Diante deste surto consumista, resolvi sair da rede social. Quero distância do inimigo. Nada de ficar à noite de bobeira vendo anúncios fofinhos e soluções milagrosas, tudo para aplacar a ansiedade de não saber como será o amanhã. E alguém sabe?
Sim, já comprei livros a respeito e fiz meia dúzia de cursos terapêuticos on-line. Atualmente estou praticando meditação para melhorar a ansiedade que nem rivotril consegue minimizar. Faço parte de um grupo que medita pelo WhatsApp todas as manhãs. Felizmente a prática não exige nenhum clique de compra. É totalmente free. Realmente não custa tentar.
PS. Depois de escrita a crônica, recebi um suporte de calcanhar, made in China, para caminhar na esteira sem risco de torção. Ufa!