Em estágio de colapso, o sistema de saúde de Campo Grande opera além da capacidade, com pacientes positivos para Covid-19 alocados indevidamente em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Semelhante ao registrado em Manaus (AM) no início do ano, enfermos à espera de uma vaga hospitalar já morreram na Capital sem o devido atendimento. Este é o caso de Dilse Silva Martins, 82 anos.
A aposentada que estava internada desde o dia 24 de maio na UPA da Vila Almeida faleceu na madrugada do sábado (5). Sua filha Tânia Mara Martins da Silva relatou ao Correio do Estado que, após dois dias no oxigênio, a família começou a buscar meios para garantir a transferência da idosa.
Apesar de conseguirem na Justiça o direito de uma vaga hospitalar três dias depois da internação, a transferência não se tornou uma realidade. “Fiz de tudo, ligava na promotoria todos os dias, minha mãe ficou intubada na UPA por nove dias enquanto seu caso piorava e os jovens eram transferidos”, afirmou Tânia.
Segundo Silva, a UPA não tinha o suporte mínimo necessário para o atendimento. “Até antibiótico e anticoagulante tivemos de comprar todos os dias”, disse. Com pesar pela perda da mãe, Tânia ainda luta pelo tratamento adequado do filho, de 39 anos, positivo para o coronavírus e intubado no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS).
“Me sinto arrasada, revoltada com o que aconteceu com a minha mãe, que pagou a vida toda o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] e não teve uma oportunidade de lutar pela sua vida. Não dá para acreditar há que ponto chegamos, e, mesmo assim, o prefeito fala que a cidade está estável”, desabafou Silva.
Tânia relatou ainda que a última tentativa de salvar a mãe ocorreu às 19h do dia anterior ao falecimento, quando surgiu a possibilidade de transferi-la para outro estado. “Mas a assistência social não sabia para onde iam mandá-la, e, quando meu filho falou com a médica, fomos informados que ela não aguentaria nem mesmo mudar de cama por conta de um choque séptico (infecção generalizada)”.
Ao questionar os responsáveis pela UPA se a mãe seria transferida para a Capital caso morresse em outro Estado, Tânia recebeu “não” como resposta. “Nós estamos morrendo como os animais jogados no saco preto, só não nos colocam na rua porque em caso de Covid-19 é preciso enterrar”, reiterou.
Conforme o infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda, sem a ampliação de leitos, os próximos dias serão de total colapso no sistema de Saúde.
“Cada dia aumenta o número de pessoas que estão aguardando internação nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), hoje (7), são 271 enfermos. E o cenário deve piorar porque não temos uma redução no número de casos”, frisou.
Apesar de transferir 16 pacientes para Rondônia e São Paulo, a fila de espera por vagas em leitos clínicos e de UTI só cresce em MS. Dos 271 enfermos nessa situação ontem (7), 164 eram da macrorregião de Campo Grande, sendo 134 só da própria Capital.
A Central de Regulação de Dourados contava com 58 pacientes à espera, e 49 enfermos aguardam leitos pela Central de Regulação do Estado (Core).
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TRIAGEM
Referência no tratamento da doença no Estado, o HRMS já está operando de acordo com “a escolha de Sofia”, onde os médicos precisam escolher e priorizar o tratamento de quem tem mais chances de sobreviver. Chamado de protocolo de triagem, a diretora-presidente da instituição, Rosana Leite de Melo, reiterou que a situação é de catástrofe.
“Os critérios que nós usamos são preconizados pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira [AMIB] e pelas sociedades de Urgência e Emergência. Consideramos os pacientes que possuem maiores chances de recuperação os que vão viver mais”, afirmou Leite.
Na prática, isso significa que pacientes mais jovens estão sendo hospitalizados em detrimento dos mais idosos. Conforme Rosana, o HR opera com 125 enfermos intubados na UTI, além de 13 pacientes intubados alocados em leitos improvisados.
“Temos considerado para a triagem pacientes que precisam de máscara de oxigênio, para não sobrecarregar as tubulações. No entanto, quando possível, regulamos pacientes que necessitam de intubação e que esperam nas UPAs”, relatou Leite.
Na UPA Coronel Antonino, a dona de casa Vivian de Souza Vieira, 39 anos, salientou a agonia por não conseguir tratamento adequado aos pais, ambos com Covid-19.
“Estamos desde o dia 28 de maio aqui na UPA, o meu pai ficou três dias em uma cadeira porque não havia uma cama disponível, literalmente, jogado!”, relatou. Vieira afirmou que no dia 31 de maio, o pai de 63 anos conseguiu ser acomodado em uma maca.
A família recorreu à judicialização de leito, no entanto, o juiz de plantão negou o pedido de uma vaga hospitalar. “Meu pai permanece na área amarela desde o dia 1º de junho, e, desde então, não temos notícias dele. São muitas informações equivocadas e estamos praticamente dia e noite na frente da UPA”, ponderou Vivian.
Conforme a dona de casa, após 11 dias de agonia, por não precisar de intubação, sua mãe conseguiu ser transferida ontem para o Regional.
Além do desgaste emocional, Vivian afirmou que já gastou mais de R$ 4 mil em remédios e itens de higiene básica, em faltam na UPA Coronel Antonino. “Só de antibiótico a anticoagulante, gastamos R$ 4.032, tenho todas as notas aqui”, salientou.
Boletim
Mato Grosso do Sul já contabiliza 303.209 pessoas contaminadas pela Covid-19. No total, 7.187 pessoas morreram em decorrência da doença no Estado. A média móvel de casos está em 1.783,4 registros por dia. Em relação às mortes, 52,9 sul-mato-grossenses morrem em decorrência da doença todos os dias no Estado.