As redações do vestibular e do Programa de Avaliação Seriada (Passe) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), assim como as provas, são alvo de reclamações e indignação de candidatos, pais e professores de Campo Grande. Um grupo de docentes denunciou as falhas nos dois processos seletivos, organizados pela Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura (Fapec), para o Ministério Público Federal (MPF) nesta semana.
Uma série de fatores foi questionada pelo professor de Língua Portuguesa e Redação, Sérgio Campos. A falta de transparência em todo o processo e a amplitude do tema – “Contribuição da ciência e tecnologia para todos” –, contrariando, por exemplo, o padrão do Exame Nacional doEnsino Médio (Enem), que pede assuntos muito específicos, levaram a um número expressivo de notas baixas.
“Pela primeira vez, a UFMS instituiu a redação própria no vestibular de 2019. O primeiro aspecto negativo foi a falta de clareza para a redação. Por exemplo, o Enem tem uma cartilha, em que a banca de correção deixa muito claro o que espera dos alunos. A Fapec não fez isso e só colocou os critérios da nota. Também apresentou um assunto com quatro recortes temáticos, ou seja, essa amplitude prejudicou a correção. E nenhum vestibular do Brasil faz isso”, avaliou Campos.
Antes da aplicação das provas, no dia 1º de dezembro de 2019, professores de cursos pré-vestibulares questionaram a Fapec sobre a quantidade de correções. As universidades brasileiras que adotam o vestibular normalmente estipulam uma nota de corte com base no número de vagas de cada curso. Assim, só são corrigidas as redações dos candidatos que mais pontuaram nas provas objetivas. No caso da UFMS, todas as redações foram corrigidas. “Isso exaustou os corretores e prejudicou. Todos os vestibulares colocam número mínimo de correções para garantir a qualidade”, afirmou Campos.
RESULTADOS
Quando foram publicados os resultados, em 10 de dezembro, tanto Campos como seus alunos foram surpreendidos com a grande quantidade de notas baixas. “Conheço o histórico dos alunos, que escrevem bem, mas eles foram zerados ou tiraram 200, 500 e 600. E o que comprometeu também esse resultado foi a falta de transparência. A nota vinha bruta, enquanto as outras universidades e o Enem liberam as notas parciais, que mostrariam em que se perdeu ponto por norma culta, por adequação ao tema e organização. A Fapec não fez isso”, explicou.
O prazo para recurso foi de 11 a 13 de dezembro. Porém, segundo o professor, o resultado preliminar foi divulgado no fim da noite do dia 10, uma sexta-feira. Assim, apenas o último dia do período era útil. “Os alunos não tiveram acesso ao espelho da redação até segunda-feira [13 de dezembro], que é a folha definitiva do que eles escreveram. Então, não era possível montar um recurso. Tem um lado de o aluno vir a falhar, então muitos não reclamaram. Mas outros se prepararam, têm histórico de vestibulares com boas notas e destoaram muito”, relatou.
Logo, os candidatos entraram com recurso para questionar as motivações de suas pontuações. Porém, eles enfrentaram mais problemas. Sem saber onde erraram, os alunos de Campos tiveram dificuldades em fundamentar seus recursos. Muitos procuraram a Fapec para questionar suas notas, mas a instituição prestou um atendimento considerado grosseiro e ineficiente.
A reportagem do Correio do Estado conversou com um grupo de pais e alunos do professor que foram prejudicados. Por temerem represálias, todos pediram para não ter a identidade revelada.
“No primeiro contato, uma moça nos atendeu demonstrando ter pouca informação e perguntou se eu e minha filha aceitávamos atendimento por telefone, sendo que estávamos lá na Fapec. Fomos atendidos por uma senhora que não se identificou. Quando perguntamos o que poderia ser feito se nós continuássemos insatisfeitos com o resultado, ela disse que ‘não existe recurso do recurso, só aceita’”, relatou o pai de uma jovem de 19 anos.
Um outro candidato, de 19 anos, não apresentou o recurso porque não teve acesso ao espelho da redação. Sem saber o que levou à nota 520, o rapaz aceitou a nota. Mas assim que o espelho foi finalmente liberado para consulta, ele procurou um outro professor, que avaliou que o estudante deveria receber no mínimo 900, levando em conta os critérios exigidos.
Mas ao procurar a fundação para questionar, ele recebeu uma resposta desanimadora. “A atendente me disse que meu professor apontou essa nota porque foi parcial, porque era aluno dele”, contou.
Para Campos, a alternativa para contornar esse problema é usar a nota de redação do Enem, como ocorreu em anos anteriores. Procurada, a UFMS não respondeu aos questionamos da reportagem do Correio do Estado até o fechamento desta edição.
POLÊMICA
Um grupo de professores foi ao MPF denunciar as falhas dos dois processos ao MPF, como noticiou o Correio do Estado na edição de quinta-feira (23). Cinco questões do vestibular foram anuladas e outras oito da primeira etapa, dez da segunda etapa e três da terceira etapa do Passe foram anuladas após candidatos entrarem com recurso.
Isso levou a professora de Biologia Milena Costa Basso a procurar a Fapec, entidade ligada à UFMS que elabora provas de vestibular e de concursos, para questionar os motivos. “O que me disseram foi que alunos de outras regiões reclamaram por acreditar que duas perguntas foram repetidas de outros exames”, detalhou.
A correção das provas do Passe também foi alvo de questionamento. O programa leva em conta a nota do estudante no 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio, calculando uma média no último ano e garantindo uma vaga conforme a nota. Porém, alguns candidatos tiveram pontuações incomuns após a Fapec não usar o último número para calcular a média.
“Alguns alunos perceberam e outros não. A Fapec não alertou e a classificação acabou mudando”, explica Milena. Uma aluna perdeu a vaga após as revisões acolhidas pela fundação.