A promotora Vera Aparecida Cardoso Bogalho Frost Vieira, da 28ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Campo Grande, aponta ocorrência de tortura de menores infratores internados na Unidade Educacional de Internação (Unei) Dom Bosco, localizada na região da saída para Três Lagoas, na Capital.
No mês passado, um interno morreu eletrocutado na unidade, enquanto colegas faziam limpeza dos alojamentos. Ele teria, supostamente, se deitado sobre um fio descascado deixado na cama.
Por intermédio da assessoria de comunicação social do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, a promotora disse que todas as irregularidades encontradas durante visitações às unidades são relatadas, especialmente as que citam denúncias de torturas.
Vera Bogalho observa que denúncias de tortura acontecem desde 2016. De 12 a 23 de setembro de 2016, por exemplo, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) esteve no local, porque já havia informação de que torturas psicológicas e físicas eram cometidas na Unei. Ainda conforme a assessoria, a promotora ressalta que, em inúmeros casos ocorridos na Unei Dom Bosco, há comprovação da materialidade desses crimes praticados por alguns agentes e também provas suficientes das autorias.
De acordo com relatório do MNPCT, a tortura é uma prática recorrente e disseminada na Unei Dom Bosco. Na época, os internos relataram que ameaças e agressões físicas e psicológicas eram constantes, “variando os métodos, de agressões físicas diretas até a privação do saneamento básico”.
No período, o relatório ressaltou a grande quantidade de pedaços de paus – de madeira maciça e pesados, conhecidos como “chicos” –, de todos os tamanhos, presentes na Unei e que seriam utilizados nas agressões, que eram frequentes. A equipe do Mecanismo encontrou uma televisão na sala de alimentação dos agentes e, abaixo do aparelho, dezenas de pedaços de paus – em um deles havia a descrição de “socioeducador”, demonstrando a existência de tortura física e psicológica no local.
Em 2015 e 2016, aconteceram dois casos de tortura na Unei Masculina Novo Caminho, onde os adolescentes ficam internados provisoriamente por até 45 dias. Um dos processos está sub judice, sendo apurado em uma das Varas Criminais Residuais da Capital. Vera Bogalho observa que a unidade mais emblemática é a Dom Bosco.
A promotora lembrou que, quando o Mecanismo esteve no Estado, todos os adolescentes, psicólogos e assistentes sociais foram ouvidos por uma equipe multidisciplinar, e que os agentes não tiveram acesso. Os menores falaram de forma voluntária sobre como os agentes agem, inclusive, como eles eram frequentemente encaminhados para o Centro de Reflexão ou Centro de Triagem, que são três alojamentos separados dos outros pavilhões.
Vera Bogalgo relata que, em 2016, após dois meses da vinda do Mecanismo, aconteceu um fato grave de tortura que culminou na instauração de um procedimento preparatório e foi convertido em inquérito civil para apuração. Ela ingressou com ação cível junto à Vara da Infância, Juventude e Idoso, pedindo, na ocasião, o afastamento provisório do então diretor da Dom Bosco, em razão de omissão, e do chefe de Disciplina, por práticas de torturas. Na época, a juíza concedeu a liminar e, depois de um ano, o Tribunal de Justiça do Estado a revogou.
Em virtude de novos fatos criminosos envolvendo a mesma vítima, no interior da Unei, ela foi ouvida na 28ª Promotoria, na semana passada, apresentando lesões. Sobre este caso, Vera Bogalho disse que já está tomando várias providências.
No último semestre deste ano, foram denunciados junto à Promotoria três novos casos de torturas na Dom Bosco, todos em investigação pelo Ministério Público. Para a promotora, a situação da Unei Dom Bosco é crítica e, nas oitivas, os adolescentes relatam ameaças dos agentes, que os instruem para que “não falem nada para a promotora”, “não relatem nada ao Ministério Público, porque senão vocês vão beijar o chão da unidade”.
Vera Bogalho salienta que “infelizmente com decisões do Judiciário, como a que foi julgada improcedente, com tantos elementos de provas, e que não foram reconhecidos, há uma sensação de impunidade”. Para ela, por mais que o Ministério Público faça e ingresse em juízo com as ações, a certeza da impunidade é grande, porque alguns agentes de medidas socioeducativas continuam com as mesmas práticas ilegais, mormente na Unei Dom Bosco. Segundo Vera Bogalho, há necessidade urgente de parcerias efetivas para o combate dessas “horrendas” práticas no interior das Uneis.