A Lei Estadual nº 3.886/2010, conhecida como Lei da Pesca, passou a ser inconstitucional por vício material, conforme acórdão publicado no último dia 20 de novembro, no Diário da Justiça. A decisão ocorreu por maioria dos desembargadores do Órgão Especial, julgando procedente arguição de inconstitucionalidade ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso do Sul (OAB/MS). A decisão tem efeitos erga omnes e ex nunc, ou seja, aplica-se a todos e produz efeitos a partir da decisão.
Na prática, a matéria volta a ser regida pela Lei Ordinária nº 11.959/09 (Lei Nacional da Pesca) que contém normas mais rígidas, especialmente no que se refere aos tipos de petrechos que podem ser utilizados em pescarias. Contrariando a lei federal, em Mato Grosso do Sul os pescadores podiam utilizar equipamentos de pesca considerados predatórios, como joão-bobo, boia fixa ou cavalinho e anzol de galho, previstos no artigo 8º da lei estadual.
A partir de agora, quem for pego utilizando os petrechos predatórios pode ficar detido de um a três anos ou pagar multa, que pode chegar a R$ 100 mil.
A arguição de Inconstitucionalidade por vício formal e material foi proposta pela OAB/MS, por entender que a lei estadual teria emendas que não foram objetos de aprovação pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul e que estabeleceu padrão prejudicial à preservação dos recursos pesqueiros, normas ofensivas ao meio ambiente e aos princípios da precaução e da melhor proteção ambiental.
O artigo 8º da lei autoriza a utilização de petrechos (joão-bobo, boia fixa ou cavalinho e anzol de galho) proibidos pela Lei Nacional da Pesca, cuja previsão já foi declarada inconstitucional pelo Judiciário em 2006 na Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Para a OAB, a lei estadual contraria o disposto na Constituição de Mato Grosso do Sul quando impõe ao Estado o dever de defesa do meio ambiente, destacando que o pantanal sul-mato-grossense é área de proteção ambiental (art. 224). Na ação, ainda é apontado que o art. 6º, I, da norma estadual autoriza pessoas que não vivem da pesca a exercer irregularmente a atividade, possibilitando fraudes na concessão de benefícios previdenciários, o que também contraria a lei federal.
O procurador-geral do Estado apresentou defesa lembrando que a lei estadual impõe regras restritivas à exploração da atividade pesqueira, em acordo com preceitos constitucionais. Destacou a necessidade de restabelecimento da Lei da Pesca, caso reconhecida sua inconstitucionalidade integral. Requereu a improcedência do pedido da OAB/MS.
Para o relator do processo, desembargador Sideni Soncini Pimentel, não existe a alegada violação ao devido processo legislativo. Ele citou, em seu voto, que não implica violação ao devido processo legal na aprovação do texto final do projeto de lei, incluídas as emendas legislativas, cujo pedido de retirada não foi deferido ou mesmo analisado, nos termos do Regimento Interno da Assembleia Legislativa.
Já sobre a matéria, segundo a Constituição Federal, é de competência concorrente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios legislar sobre pesca.
Para a OAB/MS, a lei estadual tem teor liberalizante em direto confronto com a Constituição Federal e Estadual, com a lei federal e com a preservação do meio ambiente saudável.
No voto, o relator reconhece a inconstitucionalidade material da lei estadual da pesca como um todo. “A bem da verdade, as inovações trazidas pela Lei Estadual 3.886/2010 promoveram uma alteração da política ambiental, ampliando as hipóteses de captura de pescado, o que contraria as normas constitucionais de proteção ao meio ambiente, insculpidas no art. 222, da Constituição Estadual”. O desembargador completa: “diante disso, forçoso reconhecer a inconstitucionalidade material da lei estadual da pesca como um todo, conforme já se pronunciou esta Corte quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2006.021926-7”.
Quanto ao efeito, o relator decidiu: “É possível, em caráter excepcional, a modulação dos efeitos da decisão, desde que presentes razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social. Por essas razões, entendo que os fatos ocorridos e sujeitos aos efeitos da Lei estadual 3.886/2010 devem permanecer inalterados, de sorte que a declaração de inconstitucionalidade produza efeitos somente para o futuro”.