Nascida na Venezuela, mas radicada nos EUA, Vanessa Neumann recebeu das Organizações das Nações Unidas (ONU) uma missão há cerca de dez anos: analisar o movimento de facções criminosas e do tráfico de drogas e contrabando na América do Sul.
A escolha não era à-toa.
A entidade via com preocupação não só a instabilidade política com a implantação de regimes de exceção da Bolívia e Venezuela, mas também o crescimento preocupante do tráfico de drogas, contrabando e de facções criminosas como Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho na zona da fronteira do Brasil com o Paraguai.
Ou seja, em Mato Grosso do Sul.
Vanessa, que por anos foi consultora do risco para multinacionais europeias e norte-americanas investirem em territórios instáveis, desde então é integrante do Comitê Antiterrorismo da ONU. E seu trabalho acaba de gerar o livro “Lucros de Sangue”, lançado neste mês pela Editora Matrix.
O diagnóstico: há evidências claras da aliança de grupos terroristas principalmente com o PCC para administrar rotas de desembarque de contrabando e embarque de cocaína e maconha para outros continentes, seja por meio terrestre ou aéreo.
Um negócio imensamente lucrativo, de quase US$ 43 bilhões anuais (cerca de R$ 168,6 bi).
“Dinheiro que os governos e a iniciativa privada desses países (Parguai e Brasil) nunca viram”, disse.
“Seguramente o PCC está cada vez mais infiltrado no Paraguai, onde mantém uma relação com o Hezbollah”, apontou Vanessa.
O 'Partido de Deus', em árabe, surgiu em 1982 como milícia e atualmente é uma organização política e paramilitar fundamentalista islâmica xiita sediada no Líbano. É considerado grupo terrorista pelo governo brasileiro.
Sua penetração na América do Sul, explica Vanessa, se fortalece na gestão de Horácio Cartes no Paraguai, entre 2013 e este ano, quando renunciou. Magnata do tabaco e dono de um conglomerado com mais de 21 empresas, o político é investigado por lavagem de dinheiro em seu país.
“As primeiras rotas de contrabando surgiram no Oeste da África. Uma vez aberto o caminho, também passam por ali seres humanos, armas e drogas. É uma dinâmica que se repete e tem a ver com a logística que acaba por financiar o terrorismo. Na Tríplice Fronteira há forte presença do Hezbollah, que contrabandeia cigarros graças a Horacio Cartes. A atividade lhes dá uma fonte de financiamento operada com competência. Daí, quando se deseja movimentar produtos ilegais, há gente que possui casas de câmbio, esquemas de lavagem de dinheiro e transporte não só até o porto de Santos (SP), mas até a África, o Oriente Médio e a Espanha. As agências de segurança apontam que eles atuam como uma empresa internacional de entregas expressas, como Fedex e UPS”, disse.
Em seu livro, Vanessa é categórica ao afirmar que o Brasil deveria sim considerar o PCC um grupo terrorista.
“Os comandantes do Oriente Médio com quem conversei são terroristas. E o império criminal que eles integram é uma ameaça. Hoje eles apoiam o PCC, que começou como uma quadrilha de prisão e se tornou uma insurgência criminal. E se alguém sabe fazer uma insurgência é o Hezbollah. Seus integrantes ocupam territórios, obtêm armas e dinheiro em troca de cocaína. Os brasileiros até pensam que se tornaram poderosos, mas o Hezbollah pode dominar o PCC. Bastaria querer”, apontou.
Vanessa conta ter presenciado no Aeroporto Internacional Guaraní, em Assunção, a chegada de dois aviões por semana, um da China e outro de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, trazendo itens que não passam por nenhum controle e escancarando a faclitação por parte do Paraguai para o contrabando.
“O que chega logo é distribuído para as lojas de Ciudad del Este, Capitan Bado e Pedro Juan Caballero (essas últimas na fronteira com MS).
Tanto que lá os letreiros das lojas estão em árabe e chinês, além de espanhol. Ali funciona um miniestado para o crime organizado de todas as partes do mundo.
Os chineses trazem os produtos e levam o dinheiro. Já de Dubai não sei o que trazem os aviões. Acredita-se que seja ouro ou dinheiro, de acordo com sua experiência no Oriente Médio.
Perto de Dubai está a Zona de Livre Comércio de Jebel Ali, onde traficantes e grupos terroristas financiados por entidades da Árabia Saudita e do Irã atuam, enviando recursos e produtos para a América do Sul.
Lavagem de dinheiro
A lavagem de dinheiro na Tríplice Fronteira é como uma árvore com ramificações que servem para diferentes grupos. E a China, que tem uma porção importante de sua economia voltada para o tráfico de produtos, se aproveita desse ambiente. O que preocupa é que esse sistema na Tríplice Fronteira é muito estável, funcionando perfeitamente”, ponderou a agora escritora.
E por qual razões não há interferência das forças de segurança estadunidenses, visto que o combate ao terrorismo é marcado como prioridade por todas as gestões desde a do republicano George W. Bush e o atentado ao Pentagono, em Washington, e às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, no fatídico 11 de setembro de 2001?
Vanessa pondera.
Os EUA aprovaram uma lei em 2015, o Hezbollah International Financing Act (HIFA), que sanciona países ou empresas que financie o grupo.
Um dos artigos prevê tráfico de cigarros, por exemplo. E os governos sul-americanos poderiam ter relações conômicas rompidas. No caso do Brasil uma situação impensável visto que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) não esconde a aproximação ideológica com Donald Trump.
“O DEA (departamento de drogas), o FBI e a CIA dos EUA têm mais com o que se preocupar, contanto que não exploda uma bomba ali (na fronteira).
Porém, é preciso entender que muito do financiamento dos atentados vem de lá, onde há convergências.
O irônico desses grupos é que apelam ao contrabando e ao tráfico para financiar suas operações, porém, quando os lucros chegam, há uma troca, com as armas sendo usadas para manter os negócios.
A convergência vem por dois pontos. As sanções contra os apoiadores ficaram mais eficientes, tornando necessário criar negócios próprios.
Outro ponto é a presença de facilitadores, que lavam dinheiro, possuem logística de transporte e bons advogados, fornecendo documentos e proteção. Se o celular de um facilitador for apreendido, veremos que os contatos com terroristas ultrapassam suas conexões com criminosos comuns”, explicou.
Bolsonaro e Trump
As relações de Bolsonaro com Trump poderiam sim também serem usadas para endurecer os caminhos de acesso dos traficantes e contrabandistas, um pedido feito pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB) ao juiz Sérgio Moro, futuro superministro da Justiça.
E Vanessa entende que essa ação pode sim trazer instabilidade ainda maior à fronteira, algo além de simples execuções de lideranças criminosas. “Não haveria perigo de um atentado, pois seria catastrófico para os negócios. Todavia, no futuro, com tanta corrupção, ilicitudes e dinheiro envolvidos, alguma ameaça poderia provocar uma reação. Nunca poderemos dizer que estamos seguros”, disse.
Vindo de uma especialista amplamente gabaritada, quem ousaria duvidar.