Idealizado em 2010, com o objetivo de trazer de volta os anos de glória do centro da cidade, o Reviva Campo Grande poderá perder o seu propósito, depois da inauguração de sua primeira etapa e por causa do projeto habitacional previsto em sua segunda etapa. A carência de planos para repovoar a região central após conclusão das obras na Rua 14 de julho e a ideia de levar o conjunto habitacional do programa para o Bairro Cabreúva, distante 3 quilômetros da Praça Ary Coelho, poderão fazer com que o Reviva não faça jus ao nome, alertam especialistas consultados pelo Correio do Estado.
O engenheiro Fernando Madeira, especialista em Mobilidade Urbana e Projetos de Urbanismo, é um dos que enxergam uma fuga no conceito do programa. “Para reviver o centro, tem de ter gente”, opina. “O que vai fazer depois que o comércio fecha à noite? Se não há gente para circular no local”, complementa.
Além de Madeira, os arquitetos e professores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Ângelo Arruda e Maria Lúcia Torrecilha também acreditam que o Reviva deve ir muito além de uma reforma paisagística para cumprir seu propósito. “É necessário ter moradia e novos usos comerciais que possam dar vida à rua, 24 horas. Não cabe o embelezamento de uma rua sem que a contrapartida aconteça. O que a cidade está gastando, apenas para embelezar, é muito. São milhões de dólares. Tem de ter mudanças fatais. Se não o preço fica caro demais”, afirma Arruda.
A Prefeitura de Campo Grande pretende construir, no Bairro Cabreúva, atrás da obra inacabada do Centro de Belas Artes, o residencial previsto no Reviva Centro para 600 famílias. O custo da obra, que ficará a 3 quilômetros do cruzamento da Avenida Afonso Pena, será de aproximadamente R$ 60 milhões. A ideia é preencher a maioria das unidades habitacionais com famílias que ganham entre 1,5 e 2 salários mínimos, critério semelhante ao do programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal.
“Por que não se leva a habitação popular para o Centro, região cada vez mais desabitada? A prefeitura deveria verificar os locais que poderiam ser transformados em habitações populares”, analisa Fernando Madeira. “Isso já ocorre em grandes cidades. É possível eleger alguns prédios antigos e fazer o ‘retrofit’ [reforma que mantém as principais características originais, mas que adapta os edifícios aos conceitos atuais de engenharia e arquitetura]”, complementa Madeira.
REOCUPAÇÃO
Os especialistas citam vários prédios e regiões no quadrilátero central da Capital que poderão ser habitadas novamente. Uma deles é o edifício do Hotel Campo Grande, sem uso há mais de uma década. Maria Lúcia Torrecilha, que também é doutora em Planejamento Urbano, diz que uma das opções é transformar o local em moradia nos andares superiores e manter a parte comercial no térreo, como funciona atualmente. “O uso misto é uma tendência para atender a região. Transformando os andares superiores em apartamentos para famílias ou mesmo lofts para estudantes. O edifício vertical tem toda a infraestrutura, é bem construído”.
“É uma estrutura gigante, mas, para hotel, o prédio já não serve mais. Para um edifício de escritório, muito menos”, afirma Fernando Madeira. “Seria opção interessante para se construir um residencial, subsidiado, que pudesse ser ocupado por meio de programas de habitação popular”, acrescenta.
Construído em 1971, o Hotel Campo Grande foi referência arquitetônica e considerado por muitos o melhor lugar para se hospedar na cidade. Encerrou as atividades em 2001 – por conte de dívidas e pendências financeiras – e, apesar de uma das proprietárias chegar a anunciar a intenção de reativar o espaço em 2012, ele continua fechado. Dos 13 andares, apenas o térreo tem áreas comerciais em funcionamento, onde há uma loja de produtos populares. No total, o hotel tinha 82 apartamentos e quatro suítes.
“Eu penso que toda revitalização, como estão fazendo com a Rua 14 de Julho, tem que ter habitação. A construção de moradias populares na região do Cabreúva não é o ideal. Seria interessante reorganizar e, dentro desta proposta o hotel (Campo Grande) funcionaria, é viável”, opina Maria Lúcia.
Fernando Madeira e Ângelo Arruda também sugerem o repovoamento dos quarteirões da Avenida Calógeras, compreendidos entre os cruzamentos com a Avenida Mato Grosso e a Rua Maracaju. “É uma região absolutamente degradada e uma intervenção no local poderia fazer com que o Reviva faça jus ao seu nome”, afirma Madeira.
Os conceitos estabelecidos pelo próprio Reviva Centro vão em direção contrária aos rumos que o programa está tomando, com a construção de um residencial longe do quadrilátero central: “O objetivo do projeto é promover a habitação e requalificação dos espaços públicos como elementos estratégicos desencadeadores da recuperação e da revitalização da área central e de seu patrimônio edificado, ambos atualmente subutilizados e desvalorizados. Além disso, criar eixos de encontro e lazer, abertos e integrados à malha urbana, com paisagismo, espaços comunitários e recreativos que promovam a socialização”.
A gestora de projetos da Prefeitura de Campo Grande, Catiana Sabadin, foi procurada para falar dos planos para o Reviva depois da inauguração da obra da Rua 14 de Julho. Não houve resposta até o fechamento da edição.