A chuva que caiu sobre Campo Grande no início da tarde desta segunda-feira (11) pode ter não ter sido um imenso temporal para muitos moradores. Mas no sofrido bairro do Loteamento Vespasiano Martins, na região sul, o dia foi de tristeza.
A chuva de 50 milímetros e com ventos de até 60 quilômetros por hora - segundo a meteorologia - deixou, literalmente, cerca de oito casas do loteamento sem telhado. Em algumas das residências, portas e janelas também não aguentaram.
O fato ocorreu por volta das 14h. A dona de casa Vanessa Carneiro, 20 anos, há sete meses no local, assistia televisão com seu filho, de 2, no sofá. Descansava após o almoço quando veio o forte barulho e viu sua casa ficar com as nuvens carregadas sobre sua cabeça.
"É um susto muito grande, a gente na hora reza, pede a Deus que nada de ruim aconteça. É algo que só via pela televisão", disse à reportagem, ainda tentando entender o que aconteceu, no momento em que era socorrida por vizinhos. Um deles cuidava da criança e lhe oferecia abrigo. O marido corria para pregar sacos de lixo no lugar onde antes haviam as telhas.
Na mesma rua de terra batida e cenário de devastação, com pedaços de portão, cerca, telhas e tudo o que o vento conseguiu carrega, havia gente mais experiente. Caso da também dona de casa Mariua Lúcia da Silva, 56. Há três anos no loteamento, é experiente em ver seu telhado voar com os ventos nas chuvas, por isso preferia o caminho da tranquilidade.
"É esperar eles (Prefeitura) arrumarem. Não tenho o que fazer, não tenho dinheiro para uma reforma", explicou. É a segunda vez que dona Maria Lúcia vê sua casa sem cobertura. A outra foi no ano passado. Desta vez estava na rua quando os vizinhos ligaram avisando do ocorrido. "Cheguei e ainda bem que não estragou nada", disse, cobrindo a televisão, seu bem mais valioso.
A Prefeitura estava tendo trabalho no bairro. Os integrantes da Defesa Civil Municipal estavam em outra rua, ainda avaliandoos imensos estragos na casa de Jéssica Escobar, 28, certamente a mais prejudicada.
Mãe de três filhos, 1, 4 e 6 anos, a cooperada estava trabalhando quando foi informada por vizinhos da tragédia. Ao chegar, encontrou sua casa coberta de destroços do telhado, móveis detonados, o berço do herdeiro mais novo inutilizado e muito barro. As roupas da família foram colocadas em uma lona no quintal, já que o guarda-roupa não existia mais.
"A gente fica sem chão quando acontece uma coisa dessas", lamentou, ainda abatida pela cena da sua casa completamente danificada, algo que já vira antes nos vizinhos, mas nunca na sua, nos três anos que mora no local. "Agora é aguardar uma definição da Prefeitura. Precisamos de ajuda", disse, depois de levar os filhos para a casa da mãe, no Cidade de Deus, um bairro vizinho.
TRISTEZA
Não é de agora e não é só a chuva que traz tristeza aos moradores do Vespasiano Martins.
O loteamento foi erguido em 2016, na então gestão de Alcides Bernal (PP), para abrigar 42 famílias do Cidade de Deus depois que a Prefeitura acabou com a favela mais famosa de Campo Grande.
Na época, como não havia condições de viver nos imóveis ‘erguidos’ pela Morhar Organização Social, a maioria dos moradores investiu em reformas. Não bastasse o desperdício de dinheiro público, já que a ONG recebeu R$ 2,7 milhões dos R$ 3,6 milhões previstos para construir 326 casas em quatro bairros (Vespasiano, Canguru, Pedro Teruel e Bom Retiro), teve morador que gastou mais de R$ 12 mil para recuperar a moradia.
Mais dinheiro jogado fora, já que agora a própria prefeitura disse que vai demolir as casas, condenadas porque o terreno do local é úmido e aflorante.
Conforme mostrou o Correio do Estado (leia mais ao lado), laudo técnico apontou que o lençol freático do terreno onde as casas foram construídas é aflorante, o que coloca em risco a vida das pessoas.
Uma solução seria rebaixamento da área, o que dispensaria muito mais recursos do que remover as famílias para outro lugar, segundo a Agência Municipal de Habitação (Emha). Sendo assim, as famílias serão removidas, no entanto, data e o local para onde serão levadas ainda não estão definidos.
A área para a construção das casas que agora serão destruídas foi destinada pela prefeitura, cuja gestão da época é investigada pelo Ministério Público Estadual por improbidade administrativa. Os imóveis foram construídos pela Morhar, que recebeu R$ 2,7 milhões pela obra.
“Se a obra for comprovadamente paga e não executada, deverão sim, responder a processo administrativo e após isso, poderá acarretar em ação judicial”, informou a Agência Municipal de Habitação de Campo Grande na ocasião, que também tem investigado a situação por meio de uma medida alternativa chamada ‘tomada de contas especial’.
A organização é investigada pelo MPE, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público Federal (MPF).
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