Na infância, em Jardim – a 239 quilômetros de Campo Grande –, ela fazia malabarismos para equilibrar os estudos com o calor do fogão e do ferro de passar roupa. A mãe era lavadeira do quartel militar e pedia aos oito filhos que dividissem os afazeres domésticos. Mas Romilda Campos tinha amigos que se amontoavam em sua casa para ajudá-la com os serviços. Assim, ela terminava as obrigações mais cedo e tinha tempo para jogar bola.
“A minha maior alegria hoje é ver essas meninas jogarem. É como se eu estivesse ali dentro. Como se fôssemos eu e a meninada em Jardim”, conta Romilda, enquanto observa o aquecimento das atletas que participam de projeto gratuito de escolinha de futebol, na Praça Esportiva Elias Gadia. Ali, a treinadora segue garimpando talentos. A zagueira Bruna Benites, do Houston Dash-EUA e da seleção brasileira, e a atacante Patricia Sochor, atual campeã nacional com o Santos, foram reveladas nas equipes comandadas por ela.
Sozinha, Romilda comanda sua “incubadora” de craques em Campo Grande. Passa para as jogadoras o que aprendeu com a mãe. “A gente tem que ser simples, ter o pé no chão, ser humilde, não olhar o que não é da gente”, aconselha.
Treinadora Romilda ensina aos seus alunos o que aprendeu com a mãe
A desconfiança sobre ela no início de seu trabalho serve hoje de lição às atletas. “Me perguntavam se eu não seria só mais uma, se começaria e desistiria do futebol feminino. Hoje eu falo para as meninas que essa palavra não existe. Não existe desistir. Existe insistir”.
Quem hoje vê Romilda de apito na boca e cones nas mãos não imagina que sua história no esporte campo-grandense começou com outra modalidade. “Eu cheguei aqui por volta de 1994 para morar no Oliveira I. Eu era muito inquieta. Tinha um terreno em frente de casa, que eu olhei e falei: vamos limpar isso aqui e fazer um festival de vôlei de praia. E foi um sucesso”, conta.
ÁGUIA DOURADA
Da bola mais leve, Romilda passou para a mais pesada, a de futsal, nas praças do Conjunto União. A treinadora recrutou quem se divertia nas quadras do bairro para o campo de terra do Oliveira I, onde passou a organizar torneios todos os domingos. O campeonato virou liga, com equipes do interior do Estado. As meninas comandadas por Romilda se tornaram time, o Águia Dourada.
Foi na equipe amadora da técnica que a zagueira Bruna Benites começou a mostrar sua liderança, característica que fez da jogadora capitã da seleção. “Teve uma final de campeonato contra o time das Moreninhas. O empate era delas, seriam campeãs. Faltando dois minutos para acabar o jogo, o juiz deu uma falta para nós. A Bruna era volante naquela época e pediu para bater. Fez um golaço e o Águia Dourada conquistou seu segundo título”, descreve.
O perfil de Bruna Benites passou a ser o exemplo que Romilda queria para suas atletas. “Ela sempre foi minha capitã, sempre chamou a responsabilidade. É muito séria, muito educada, não gosta de bagunça”, detalha.
A admiração é recíproca, como deixa claro a zagueira. “A gente sabe da dificuldade que é [o futebol feminino no Estado], a escassez de campeonatos. A Romilda é uma das poucas pessoas que batalham por isso. Eu tenho uma gratidão muito, muito sincera por ela. Pelas conversas, pelos conselhos, pela ajuda. Quando pessoas assim aparecem no caminho da gente, é lógico que têm de ser valorizadas”, cita Bruna Benites.
A nova aposta do grupo de meninas comandado por Romilda é Deise Santos, 23 anos. A meia-esquerda veio de Manaus (AM). “Ela leva muito a sério. Você vê como ela é compenetrada nos treinos”, explica. Deise diz que a técnica cobra bastante. “Ela pega muito no meu pé. Nos treinos, com a alimentação. Mas eu só tenho a agradecer a ela, que me deu uma oportunidade. Acho que foi Deus quem colocou a Romilda na minha vida”.