As chaves que compõe o saxofone abriram as portas de outras possibilidades para o músico Joubert Júlio Santos da Silva, de 31 anos. Ele cresceu na segunda maior favela da América Latina, a do "Jacarezinho" no Rio de Janeiro, onde as vielas tinham tudo para direcionar a maioria dos garotos para o crime. Mas Joubert optou pelo caminho das partituras, chegou a Campo Grande e hoje toca corações com os sons que produz.
"Já toquei na Câmara Municipal, em conferências de saúde, casamentos, festas de 15 anos". Mas nenhuma sensação superou a de tocar no próprio casamento, realizado em 2008. "Eu toquei na entrada da minha esposa Gisele. Foi surpresa", detalha Joubert, que também é agente comunitário de saúde.
Para garantir a execução perfeita das músicas, ele ensaia ao menos uma hora por dia, mas às vezes os estudos musicais se estendem durante a tarde inteira, gerando até uma certa "reclamação" do filho de três anos que diz "toca não, pai". Os vizinhos e a esposa de Joubert habituaram-se com o som. "Um vizinho chegou a comprar um sax para eu dar aula para ele", diz.
E se ele aceitou com facilidade transmitir os conhecimentos para o garoto é porque teve muita dificuldade em aprender a tocar. Não por questão de aprendizagem, mas pelos obstáculos que teve de enfrentar. O primeiro deles, o valor do instrumento, à época, R$ 1600, usado.
Para conseguir o dinheiro, ele trabalhou como office boy e auxiliar administrativo. "Entre me organizar para conseguir comprar até a compra foram dois anos e meio", lembra ele, que precisou até de um cheque emprestado do colega. Com o instrumento em mãos, a dificuldade foi encontrar alguém que o ensinasse.
Ele começou em um projeto de uma igreja evangélica, mas teve que parar quando o maestro responsável saiu. Depois, foi convidado por um colega para assistir aulas em outra igreja. Sem dinheiro, ele vestia a camiseta do colégio para não pagar passagem de ônibus.
Depois de algum tempo, não pôde mais assistir porque era de outra denominação religiosa. Por fim, foi convidado por outro amigo para ter as lições em outro templo, mas quando chegou ao local, depois de ter pego três ônibus, foi informado que o professor não estava.
"Deu um desânimo". Ele foi embora e juntou os conhecimentos adquiridos na aula de teclado e piano com as dicas de colegas. "Para aprender instrumento de sopro foi mais sofrido, fui autodidata mesmo".
Joubert veio para Campo Grande quando tinha 19 anos para fazer um concurso público. Ele acabou passando em outra prova, casou e nunca mais deixou a cidade. Ele é saxofonista há 15 anos. Antes de aprender o instrumento de sopro, teve aulas de piano e teclado.
NA FAVELA
Outros momentos de sofrimento foram vivenciados um pouco antes, quando
Joubert tinha 12 anos e era motivo de deboche entre os amigos da favela do Jacarezinho por trabalhar muito e ganhar pouco.
"Trabalhava em um aviário e ganhava 120 reais em um mês. Com uma hora passando carga de droga, o garoto ganhava a mesma coisa. Mas eles tiveram o fim terrível. Ou foram mortos ou foram presos. Eram amigos chegados mesmo", lamenta.
Ele explica que "a comunidade era comandada pelo Comando Vermelho e os 'guris' cresciam admirando eles". Segundo ele, "a cultura de lá é diferente da cultura daqui. O garoto cresce vendo a lei do lugar e vê o bandido como a polícia do lugar e quer entrar mesmo".
Para o saxofonista, "a música foi a principal causa de não ter me envolvido no caminho do tráfico". Desde pequeno, ele ia até a igreja para acompanhar os ensaios de bateria do pai. "Fui crescendo e me interessando pela música, hoje dou aulas de teclado e piano". Apesar de ser formado em administração, Joubert conta que a principal fonte de renda é a música. "O que mais gosto de fazer é tocar".