Amigos e amigas leitores do Correio do Estado, o Campeonato Estadual de futebol de Mato Grosso do Sul começa neste sábado (19). E, para embalar a bola que vai rolar pelos gramados, temos o prazer de apresentar a vocês a estreia da nossa nova coluna 'Causos da Bola'.
Semanalmente, sempre aos sábados, convidamos você a viajar no tempo da história esportiva sul-mato-grossense através dos 64 anos acumulados nas páginas do jornal mais tradicional e querido do Estado.
Embarque com a gente nesta máquina do tempo e reviva junto conosco o que de melhor nosso arquivo tem a oferecer sobre os fatos esportivos.
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Mortes de jogadores em campo marcam. Assim foi em outubro de 2004, quando o zagueiro Serginho sofreu uma parada cardiorespiratória em pleno gramado do Morumbi, durante partida de seu São caetano contra o São Paulo pelo Campeonato Brasileiro.
O impacto do acontecimento motivou uma série de mudanças na legislação para praças esportivas, como a obrigatoridade de ambulâncias e desfribiladores para o início das partidas.
O caso fora tratado como inédito pela maioria da imprensa. Mas, como diz um amigo de longa data, o Mato Grosso do Sul é pioneiro em coisas que a gente nem imagina. O que necessariamente pode não ser uma coisa boa.
Contaremos agora a história de Eduardo, lateral-direito, que morreu em campo após eer atingido por uma pedrada no peito, na altura do coração. Após fazer apenas o seu quarto jogo com a camisa alvinegra. É considerada a maior tragédia ocorrida no esporte de nosso Estado.
Corria o segundo semestre de 1992 e junto dele nosso Estadual naquele ano, com um favorito absoluto: o Operário, campeão no ano anterior, dono de uma base sólida e sem a ameaça do maior rival, o Comercial, que não disputou aquela edição alegando problemas financeiros.
Parecia ser um caminho tranquilo. Mas o espaço deixado pelo Colorado fez com que os times do interior quisessem aproveitar a chance para se tornarem o maior oponente do Galo. Mas coisas sairiam de controle, como se verá.
TRAGÉDIA
Após o término da última fase de classificação, a tabela apontou o Pontaporense como o rival do Operário nas semifinais. O confronto, considerado tranquilo até então, parecia ainda mais sem precalços após a calma vitória no duelo de ida, no Morenão, por 2 a 0.
Mas o duelo de volta, disputado no Estádio Aral Moreira, no dia 30 de novembro daquele ano, no entanto ficaria marcado para sempre no futebol sul-mato-grossense.
O clima era de tensão. Os torcedores da cidade fronteiriça levaram a sério a decisão e, em um primeiro tempode fortes emoções e, após um primeiro tempo equilibrado, com direito ao goleiro operariano Marcílio defendendo pênalti marcado para os mandantes, o descontrole tomou espaço na etapa final e com as chances cada vez se rareando mais para os dois gols necessários para tirar a vaga do time da Capital.
E assim se deu a tragédia.
Começou logo aos 17 minutos. Marcílio, herói do Mais Querido, foi atingido pela primeira garrafada jogada ao campo. A torcida entendeu que era cera. E o clima esquentou. Dentro de campo, as entradas passaram a ser mais ríspidas. Fora dele, cada vez mais objetos jogados no gramado.
O estopim definitivo veio aos 30 minutos. Gonçalves, do Operário, e Marquinhos, do Pontaporense, trocaram agressões e foram expulsos, dando início à invasão de campo e briga generalizada.
Os jogadores operarianos corriam para o vestiário tentar se abrigar da violência. Mas os torcedores arremessavam objetos na tentativa de feri-los. onseguiram. Eduardo fi atingido quando botou o seu pé direito na escadaria do vestiário. Caiu sem sentidos, foi arrastado pelos companheiro de time pelas pernas e socorrido a um pronto-socorro da cidade, onde já chegou sem vida.
Não foi a única vítima da barbárie.Repórteres, cinegrafistas apanharam com socos, chuts e pauladas. Cabines de imprensa foram apedrejadas. E os 50 policiais militares designados para a segurança do jogo em uma completa inutilidade diante do caos instaurado.
A notícia da morte de Eduardo destruiu o emocional do Operário. Trancados no vestiário, jogadores choravam copiosamente. O mordomo João Garcia, um ícone do Galo e mais antigo funcionário do clube na ocasião, desmaiou com um princípio de infarto.
Eduardo César de Campos tinha 30 anos. Fazia apenas o seu quarto jogo com a camisa alvinegra. Nascido em Rolândia (PR), iniciou a carreira no interior de Minas Gerais, mas fi no paulista que ganhou certo destaque nas divisões inferiores, atuando por clubes como XV de Piracicaba, Fernandópolis e Olímpia. Chegara ao Mais Querido apenas 38 dias, por empréstimo. Deixou mulher e duas filhas.
CONSEQUÊNCIAS
A inevitável repercussão da morte de um jogador em campo por motivação violenta ganhou manchetes por todo o Brasil.
O Correio do Estado acompanhou o desenrolar dos fatos e logo no dia seguinte à barbárie a polícia agiu. Dois torcedores de Ponta Porã que teriam antecedntes criminais dforam identificados nos vídeos do jogo (a partida foi transmitida ao vivo) agredindo os operarianos. Até mesmo um PM à páisana, que estaria de folga e bêbado, é flagrado com um revólver em punho ameaçando os adversários e arrebentando o alambrado para a invasão de mais colegas.
Na esfera investigativa, promotores e até juízes se uniram para determinar culpas e responsabilidades, da PM, com um efetivo reduzido, do clube, pela omissão, da Polícia Civil, por liberar os poucos torcedores detidos por falta de provas, e até da própria Federação Sul-Mato-Grossense.
Prova maior do choque causado pelo caso foi a atitude de cidadãos de Ponta Porã que não estavam no jogo e foram ao hospital consolar jogadores e torcedores do alvinegro feridos, além da família de Eduardo, hospedada gratuitamente na cidade para resolver as questões quanto à liberação do corpo.
Os dias que se seguiram foram de dúvidas e incertezas. Em um primeiro momento, o elenco não queria mais jogar a competição. O então presidente Osvaldo Durões e o técnico Sílvio Elite anunciaram que acatariam a dec isão do grupo, que depois de muito debate, optou por seguir no campeonato.
Sem nenhuma condição psicológica, o Operário perdeu a disputa do título para o Nova Andradina, pela primera vez campeão estadual, em campanha histórica comandada pelo ídolo Nilson Aragão, chamado de 'Endiabrado' pelos torcedores e artilheiro daquela edição com dez gols marcados. Foi o único título do clube interiorano, hoje licenciado, até hoje na história.
De concreto sobre a selvageria, apenas a interdição do Estádio Aral Moreira, cuja liberação só viria no início de 1994, justamente o ano em que o clube local conquistaria seu único título estadual. Os acusados acabaram inocentado por provas de contundentes nos cfrimes mais pesados, como o assassinato.
Pouco adiantou as boas intenções da Pontaporense, que divulgou uma histórica nota de pesar, em que lamentava as constantes aparições da cidade nas manchetes nacionais por causa da violência. O objetivo foi cumprido para parte da torcida do Galo, que até hoje trata a cidade fronteiriça com desprezo pelo incidente e que torna os já não mais realizados jogos entre os clubes (o Pontaporense também está licenciado) de alto risco e grande atenção das autoridades.
CONFIRA A COBERTURA NA ÍNTEGRA: