Tempo de espera. Isolamento. Reflexão. Também Quaresma, por coincidência.
Afinal, uma coisinha invisível até nos microscópios comuns. Que terrível isso nos abater. Nós, tão cheios de nossos egos, tão cônscios de nossa importância para nós ou para o mundo, quem sabe?
E aí, no meio da meditação sobre a minha pequenez perante o Universo, vem a pergunta, forte como a querer me consolar. Mas não estou sozinho. Cadê os outros, companheiros dessa espera inquietante?
Cadê os ídolos da galera que ruge, os jogadores dos passes importantes com seus milhões; cadê os funkeiros dos bailes onde rala e rola; os MCs arrogantes com seus ouros ostentados; os blogueiros que ditam modas, modos e comportamentos; os atores famosos, já muitas vezes cheios de botox e boquinha de palhaço feita pelo plástico famoso; os BBBs, nas inenarráveis asnices e maus exemplos; os ícones que ditam tudo, os poderosos midiáticos, hein, onde estão?
Torço para que também em isolamento total. Afinal, o barco é o mesmo, ou melhor, nesta arca tem de caber a fauna toda.
Mas durante a quarentena quem está em seu lugar na mídia, ensinando, esclarecendo, tirando dúvidas, dando show de desempenho e competência? Eles mesmos, os ícones modernos, atrás de microscópios e de lâminas em laboratórios; com estetoscópios, luvas e máscaras na luta contra a morte, a sempiterna; pelos corredores de hospitais, postos, emergências, em turnos, diuturnos, na prestação de socorro diante do que se prenuncia.
Eles mesmos, os da saúde, povo que faz e exercita a ciência, que traz conhecimento. Exatamente quem o tem. Quem estudou e é capaz de compartilhar, pessoas que, além do exercício da ciência, praticam anonimamente também a compaixão inerente a seus ofícios, eles sim, autênticos heróis, paradigmas da dignidade humana.
Incansáveis, a par de seu árduo e desafiador trabalho, estão eles a desvendar mistérios dessa coisinha malfazeja, mas um gigantesco enigma. Brandem as suas espadas mágicas, compostas de seus instrumentos diários de trabalho, antes invisíveis, como uma liga do bem, que aceita e propõe desafios.
Então, quem se lembra, se importa ou pergunta onde estão aqueles ídolos fabricados para o entretenimento, aqueles modelos criados para a ilusão da beleza, do riso fácil, da bobagem que aliena, os falsos heróis cultivados e cultuados pela mídia, sem crítica, que o povo devora como um alimento para o espírito vazio e os transforma em ícones de uma nova estética e prazer.
A mídia esquece-os, como a destinar-lhes o seu verdadeiro cantinho da obscuridade, ídolos com pé de barro que são, em favor de novos modelos, da pesquisa, dos anos de estudo. A ciência tão desmerecida afinal triunfa.
Oxalá voltemos a prestigiá-la, não só no imaginário, mas na concretude do merecimento de quem estuda e trabalha em prol da vida.