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Wilhelm Milward Meiners: "O poder de compra do Bolsa Família"

Professor de Economia da PUC-PR e pesquisador do INCT

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Nos 100 dias do governo Bolsonaro foi anunciada a inclusão de uma 13ª parcela anual para a Bolsa Família (PBF) em vez do reajuste do valor dos benefícios pela inflação passada. De um benefício tido pelos liberais conservadores como apócrifo, causador de mal e molezas e uma vida menos laboriosa, o programa ganhou, de certa forma, mais atenção, aprovação e até esta ampliação no governo Bolsonaro.

Segundos dados da Secretaria do Desenvolvimento Social (vinculada ao Ministério da Cidadania), o PBF havia acumulado perdas em seu poder de compra em relação à inflação dos alimentos em todo governo Lula e Dilma na ordem de 18%, sobretudo entre 2011 e início de 2016. Já entre meados de 2016 e 2018, com os reajustes reais promovidos, haveria recuperação do poder de compra de 19,6%.

O primeiro reflexo do congelamento dos benefícios sociais é que os limiares de renda associados às famílias pobres e extremamente pobres também não são corrigidos, o que gera distorções no próprio programa, pois elimina paulatinamente as famílias que superam estes limiares mínimos “congelados”, tanto no PBF como em outros programas sociais. O segundo e principal reflexo é uma redução mensal do poder de compra dos benefícios e dos repasses do PBF, que chegam em conjunto a R$ 175 milhões/mês, valor correspondente ao reajuste pela inflação dos alimentos a custas, justamente, das famílias mais pobres do País.

Entre as muitas críticas ao PBF, aparecem duas principais: a primeira é a falta de controle dos beneficiários que de fato necessitariam do programa. O PBF atingiria irregularmente pessoas que não precisam dos benefícios, enquanto muitos dos necessitados não recebem, seja por discricionariedade de algumas prefeituras municipais, que chegam a manipular politicamente o Cadastro Único dos Programas Sociais em suas cidades, ou por pessoas inscritas que dolosamente alteram suas informações pessoais para serem candidatas ao programa. Ou seja, uma crítica para a gestão pública e política do programa.

Outra crítica apontada é a “geração bolsa família”: pessoas entre 6 e 17 anos poderiam ter se tornado a “geração nem-nem” entre 15 e 29 anos, como jovens que nem estudam e nem trabalham. No Brasil, os jovens nessa faixa etária correspondem, segundo dados do IBGE, a mais de 20% da população. Cerca de 25% deles estão na condição nem-nem. Portanto, um quarto dos jovens brasileiros está fora do mercado de trabalho e fora da escola.

Destaca-se também que, embora as crianças estejam na escola, o aprendizado não tem mostrado melhoras significativas, dadas as deficiências presentes no sistema escolar público, que deveria ser priorizado e levado mais a sério pelos governos federal e subnacionais. Também demonstram empiricamente que não há conexão entre a “geração bolsa família” e a “geração nem-nem”.

Um aperfeiçoamento importante que caberia ao programa seria estabelecer, associado ao depósito da PBF no Cartão Cidadão, uma política de indução do uso do poder de compra para aquisição de produtos e serviços locais e regionais, elevando os efeitos indutores da demanda social. Ainda que os programas de renda valorizem a livre escolha das famílias em utilizar os recursos dos benefícios, a associação do PBF a programas de fidelização que oferecessem descontos e ampliação real dos benefícios ao adquirir uma cesta de produtos de qualidade, produzidos na região, resultaria em maior efeito multiplicador do programa e resultaria em mais empregos e oportunidades. Inclusive outros programas sociais, como os Benefícios de Prestação Continuada, poderiam ser somados a este poder de compra.

Assim, os R$ 2,6 bilhões distribuídos mensalmente pelo PBF para ampliar o consumo das famílias poderiam, em grande parte, ser captados para a produtos locais e induzir a formação de cadeias produtivas regionais, impulsionando mais empregos e negócios, consolidando as bases econômicas para estimular ainda mais a endogenia da economia local, sobretudo em municípios e regiões mais carentes. Ainda que de maneira pouco coerente e até populista, o PBF se consolida como programa de renda de longo prazo, apesar de suas limitações e críticas, ultrapassando governos de diferentes matizes ideológicas, com efeitos relevantes para a superação da pobreza e dos preconceitos.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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