O jeito prático de Amora Mautner chama atenção. Sem tempo para reclamar da vida, a diretora de “A Dona do Pedaço” sabe exatamente o que quer e, principalmente, o que não quer. Foi com a mesma determinação que ela desistiu completamente da carreira de atriz lá atrás, depois de uma primeira experiência traumática em “Vamp”, de 1992, para se dedicar integralmente à direção. A mudança de rumo deu tão certo que, em 2014, Amora foi promovida a diretora de núcleo, cargo cobiçado e ocupado por poucas mulheres na Globo. Por isso, comandar uma novela que possui tantas atrizes com tramas de destaque tem um significado ainda mais forte para ela. “Estou feliz por estar rodeada de mulheres muito potentes e acho que essa é uma das coisas que o Walcyr traz, refletindo a atualidade, diz.
Pela segunda vez trabalhando com Walcyr Carrasco, Amora faz questão de exaltar a mensagem de esperança que o folhetim carrega, apesar de estar repleto de personagens que só querem se dar bem às custas dos outros. “É uma novela que traz otimismo, mesmo tendo essa coisa de sofrimento”, acredita. “A Dona do Pedaço” também marca o retorno de Amora ao horário nobre. Mas ela jura que a maior visibilidade da faixa não influencia em nada seu trabalho. “Para mim, independentemente do horário, o que importa é a história e a parceria”, assegura.
P – Como tem sido a experiência de dirigir, pela primeira vez, uma novela escrita por Walcyr Carrasco?
R – Walcyr é um autor muito amplo. Escreve, traduz livros, faz peças, vai na estreia e escreve essa novela, que eu estou considerando maravilhosa. Não consigo parar de ler. Estou muito feliz de ter a chance de estarmos juntos porque ele tem uma unicidade, se comunica com todo o Brasil de uma forma muito específica. Sabe o que o público gosta. É uma sorte para quem trabalha com ele porque é como se ele ouvisse e trouxesse isso para perto da gente. Leio as cenas e me emociono, projeto no público e penso: “não tem como não se emocionar com isso”. Estou feliz com a oportunidade de ter esse texto nas mãos.
P – Como você definiu a linguagem e a estética de “A Dona do Pedaço”?
R – Fomos para uma estética mais pop no sentido de ter brilho, cor e alegria. A forma que vem, desde a fotografia, paleta de cores até as texturas, a volumetria, eu comecei a pensar a partir do tom e da dramaturgia que tem ali. Como a história é de esperança, felicidade, otimismo e luta – principalmente no início, por causa da história das duas famílias rivais –, traduzimos isso em imagem com uma estética mais épica, realista em alguns momentos. É uma novela realista, cotidiana, mas tem um tom épico, que está na natureza dos personagens. A Maria da Paz (Juliana Paes), quando sai do interior e vai para São Paulo, tem uma trajetória de uma grande heroína. Isso já é em si algo épico.
P – Onde você buscou referências?
R – Minhas referências foram os filmes de melodrama. Tem um diretor que se destaca entre todos os maravilhosos, que são muitos, que é o Douglas Sirk (“Feitiço de Amor”, “Sublime Obsessão”, “Imitação da Vida” etc). Revi todos os filmes dele, com foco na dinâmica do melodrama para entender o tom, com a intenção de trazer isso para hoje em dia. Porque o melodrama desta época a que me refiro é um pouco mais antigo.
P – Em ‘A Dona do Pedaço’, o protagonismo de personagens mulheres se evidencia na maior parte das cenas. Escolher por esse caminho tem a ver com as discussões atuais sobre feminismo?
R – Essa novela é bem contemporânea e moderna. Walcyr é um autor que carrega essa marca. Ele é muito conectado e traz isso para o texto e para o público. Nesse momento, a gente tem uma novela especialmente feminina, com força, com potência. Temos uma heroína que vai à luta pelo que quer, com bons valores, com bondade no coração, e que vence. Além disso, é uma novela que começa no matriarcado. Na família dela, a grande chefe é a Dulce, que está sendo interpretada por Fernanda Montenegro, nossa sacerdotisa das artes. É uma honra à parte trabalhar com ela.
P – Parte da novela foi gravada no interior do Rio Grande do Sul e em São Paulo. Até que ponto as locações influenciam no trabalho como um todo?
R – Locação é fundamental para tudo porque contextualiza de uma maneira muito orgânica o que está acontecendo. Não só do ponto de vista do que representa em imagem, mas também da atuação dos atores que estão respirando e sentindo aquela outra atmosfera. Vemos os hábitos reais, a parede real, ela tem vida, textura, chão. Escolhemos o Sul também porque essa região tem um céu muito baixo, sem nada obstruindo. Queria ter isso para poder fazer uns landscapes (panorâmicas de paisagem) épicos e trabalhar o matte painting, uma técnica de computação na qual a gente usa colagens de imagens reais. É como se a gente pegasse pedaços perfeitos de uma imagem real, como céu ideal, o mar ideal e a montanha ideal, e colasse tudo numa imagem que não existe. Para isso, preciso ter uma área grande, ampla, para o Tony Cid, supervisor de efeitos especiais, um artista talentoso que está comigo nessa novela, poder atuar. Precisamos ter uma natureza real para poder fazer essas colagens e chegar à imagem ideal. Também fomos em busca de uma luz mais filtrada para fazer a nossa paleta de temperatura e de luz.