“Por minha causa vocês vão ficar na história”, a frase de Lídia Baís estampou a parede do primeiro casarão que Campo Grande teve, que pertenceu à família Baís e onde a artista hoje tem morada. É dispensável dizer que, “se viva”, Lídia faria 119 anos, porque sua história e transgressão resiste nas gerações de mulheres campo-grandenses de nascença ou não.
Revolucionária e à frente do seu tempo, Lídia tem sido inspiração para quem se propõe a conhecer a vida e obra da pintora, compositora e escritora. Durante 10 dias, o Museu de Arte Contemporânea vai descrever, por meio de apresentação teatral, exposição, roda de conversa e lançamento de livros por que Lídia Baís merece comemoração e reconhecimento.
PEÇA
Foi na década de 1990, uns anos depois da partida de Lídia (que morreu em 1985, aos 85 anos), que brotou o interesse da então estudante de Psicologia Tatiana de Conto na história da artista considerada “louca” que residiu no local que levava o nome de Pensão Pimentel.
“Na época, eu morava perto e só tinha uma sapataria ali, que já tinha sido queimada. Fui até o museu, tentei pesquisar a história, porque queria entender onde estava a esquizofrenia dela”, recorda Tatiane, hoje psicóloga e contadora de histórias, com 45 anos.
A doença, Tatiana diz não ter achado, mas veio a se encontrar como uma das “descendentes de Lídia” um tempo depois.
Em 2005, Tatiana foi contactada pelo Sesc, que mais tarde viria a ocupar as instalações do casarão da família, chamado de Morada dos Baís, para uma temporada de contação de história. “Como eu ia estar naquela casa sem falar da moradora?”, se perguntava. Então surgiu a versão infantil, que depois migrou para a apresentação teatral “Lídia Baís – Uma Mulher à Frente de seu Tempo”.
Em cena, a artista insere elementos cênicos que representam Lídia: quadros e vinis com as músicas dela – um detalhe que muitos desconhecem, Lídia Baís também se aventurava nas canções. “Foi preparado para que as pessoas pudessem entender quem foi, a obra dela, a pintura, a música. Ela doou praticamente todo o patrimônio dela, morreu como uma franciscana”, explica sobre o espetáculo.
Uma aula de história dramatizada com texto fiel aos fatos históricos, incluindo a mala que conta quem foi Lídia quando viajava para Europa e se vestia com os trajes do irmão para circular por onde quisesse, dentro do contexto histórico dos anos 30.
DESCENDENTES
Hoje quem toma à frente da organização do evento de 119 anos são As Descendentes de Lídia, um coletivo de mulheres feministas que se identificam com a história de vida dela.
“Somos descendentes dela por identificação, foi muito forte para mim estudar a história dela e verificar que muitas das opressões que ela passou eu também passei”, explica Tatiana.
MUITO A SE CONHECER
De Lídia Baís, ainda há muito o que se conhecer. Da mulher misteriosa, Tatiana reforça que há cômodos no Sesc Morada dos Baís dedicados a ela, embora sejam ainda pouco visitados. “Poucas pessoas leem e se informam. Ela tem muitas faces, existe uma artista plástica ali, uma musicista, uma feminista e uma mulher sagrada”.
Se tivesse tido oportunidade, a contadora de histórias perguntaria à própria protagonista de seu espetáculo “como ela suportou tudo sozinha”. “Eu não vejo na história dela alguma coisa ou alguém que a possa ter acolhido. Somente o divino, o sagrado, em que os quadros mesmo contam isso”.
Para as descendentes, Lídia é a nossa Frida Kahlo.
LÍDIA BAÍS 119 ANOS
O Museu de Arte Contemporânea (Marco) sedia exposição, apresentação teatral, oficinas, roda de conversa e lançamento de livro em homenagem à Lídia Baís. A programação começa no dia 18 deste mês, às 19h, com a apresentação “Lídia Baís – Uma Mulher à Frente de seu Tempo”, e encerra-se no dia 28, com oficina de imersão com Kim Weiss, às 16h, roda de conversa com Fernanda Reis e Thais Martins, autoras de “Lídia Baís, Arte, Vida e Metamorfose” e “Memórias da Chuva”, respectivamente, e orquestra sinfônica, às 20h. O museu fica na Rua Antônio Maria Coelho, 6.000.