Depois de um lance de escada, chega-se ao apartamento de Elíria Dieckow. É lá que ela diz que se esconde desde que o wi-fi esteja funcionando. Aonde estiver sinal de internet, lá estará conectada a senhorinha de 70 anos, que já é bisavó de duas crianças.
“Se eu viajo de ônibus, prefiro executivo que tem wi-fi. Sim, sim, até na viagem”, responde sobre a conexão. A idade já lhe dá o direito à gratuidade em passagens, mas ela prefere pagar para se manter on-line.
Durante o dia, o “bichinho de estimação” como costuma chamar, está sempre a mão e, na hora da entrevista, no bolso. À noite, ela passa para o notebook, mas não tem nada a ver com a visibilidade da tela. “É porque meu celular não está mais pegando o Messenger, tinha que atualizar”, justifica. Então as respostas que mandam para ela no chat do Facebook, só são vistas depois que escurece, junto com a leitura do Diário Oficial do Município, que ela faz questão de fazer para se inteirar do que acontece na Capital e assim poder reclamar.
A relação de Elíria com a internet começou em 2003, quando um dos filhos morava longe e trouxe um computador para que eles se comunicassem. “A gente sempre se ligava, aí ele veio e falou: ‘daqui para frente eu não ligo mais, a senhora vai falar comigo no Skype ou Messenger”, recorda. O neto quem a ensinou a ligar e mexer no aparelho. Nos primeiros dias, dona Elíria brinca que apanhou um pouco, mas se engrandece ao dizer que nunca precisou ver um professor de informática na vida, mesmo tendo tão pouco estudo.
“Eu tenho um ano e meio de escola só. Estudei isso e meu pai não me deixou mais”, conta. Filha de alemães e criada na região Sul do Brasil, até os 7 anos só falava alemão. A criação justifica os erros de português que ela cometia nos primórdios das redes sociais. “Dois rr e trocava z por s, eu tinha uma dificuldade enorme. No Orkut, digitava tudo errado, aprendi bastante com o corretor ortográfico”, fala.
“Obrigada” a se conectar, assim que ganhou o computador, entrou no Orkut, onde participou ativamente da comunidade de Campo Grande, se correspondendo com gente muito mais nova. “Fiz bastante amizade, todos mais jovens e eu tenho amigos de lá até hoje”, diz. Os familiares também foram sendo adicionados, parentes dela, da nora e do genro. “Eu não sei nem quantos sobrinhos e primos eu tenho, a família é muito grande, porque você vai descobrindo um e outro”, relata.
Entre as amizades que nasceram da extinta rede social, está a campo-grandense Edinéia Rocha, que mora na França há anos.
A aposentadoria chegou para Elíria trazendo depressão e o sentimento de que depois de parar de costurar finezas, ela não servia para mais nada. A internet foi alento e, com a evolução da rede, do Orkut, dona Elíria fez como milhões de brasileiros, migrou para o Facebook.
“Mas eu relutei, relutei bastante, porque recebia convite mas não sabia o significado. Perguntei para o meu filho o que era essa página e ele falou: ‘entra, que vai ser bem divertida’”, lembra.
E foi por meio do Facebook e da amiga Edinéia que dona Elíria conseguiu ser mais uma peça que moradores de Mato Grosso do Sul se dispuseram a ser num quebra-cabeças que juntou mãe e filha separadas na infância. Edinéia havia compartilhado o pedido de uma brasileira - criada na França - por notícias da família que ficou em Naviraí. “Vi, compartilhei e falei que eu ia procurar, nem que eu tivesse que viajar para Naviraí”, relembra.
No Google, a senhorinha conseguiu saber que a mãe da menina estava viva e ainda morava na cidade. “Era tarde da noite para eu telefonar para alguém; procurei na internet o telefone da delegacia de polícia e, por último, de uma rádio”, conta. No dia seguinte, ela ligou e pediu para que aceitassem seu convite de amizade no Facebook, contou que procurava uma pessoa na cidade e enviou a eles o pedido de ajuda. “Quando foi depois do almoço, em poucas horas, começou a chover convite de amizade de Naviraí, e uma delas estava chorando. Era a irmã dela, dizendo que a moça com quem eu falei morava a três quadras da casa dela e que tinha chegado a notícia da busca”.
A amizade entre a família e a menina que mora na França se firmou de tal maneira, que dona Elíria até compareceu no encontro, munida de uma câmera digital para registrar as fotos e, claro, publicá-las no Facebook.
Sobre o que vem a ser a internet para ela, a bisavó diz que é vida. “É vida sem gastos. Aqui eu não corro riscos, me sinto segura. Me escondo dentro de casa, mas virtualmente eu viajo e vivo o mundo”, enxerga.
Dentro deste contexto, Elíria procura compartilhar vida e ajudar quem puder. “Doação de sangue, por exemplo, se alguém posta que precisa, eu compartilho e fiz amizades assim. Uma amiga fez uma cirurgia e precisava de doador, como eles não tinham ninguém aqui, eu postei, foi compartilhado, e uma mulher que eu não conhecia se ofereceu para ajudar, disse que já ia, porque morava ali perto. Hoje nós somos amigas, e quando ela faz geleia e suco de uva, eu levo os vidros lá”, conta.
Os compartilhamentos são de boas notícias e, quando vê os amigos fazendo o oposto, Elíria briga. “Eu falo: ‘gente, não faz isso’, quando é coisa triste, que daí eu não gosto. Às vezes as pessoas compartilham certas coisas, eu comento sabe, aviso que tal coisa é fake, mas também respeito muito a opinião dos outros”, afirma.
Os amigos virtuais que viraram reais são cerca de 200. Dona Elíria, apesar de desinibida, é atenta e não aceita muito fácil um convite. No mais, a casa é de vó, com fotos do casamento dos netos, dos bisnetos crianças. Depois de anos morando só, Elíria agora vive com um filho e a nora. Apesar da idade, ela não se sente idosa, por vezes até esquece. “Não parece que eu tenho 70 anos, esses dias escorreguei e me esborrachei no chão. Eu não me sinto com 70, saio na rua e ando rápido”, admite.
Estar on-line é, para ela, uma forma de se manter viva e com a mente saudável. “Esses dias eu fiquei sem internet em casa e o pacote de dados no meu celular. Me senti caçando Pokémon, porque aqui não pega sinal. É difícil”, brinca.
SIMPÓSIO
A saúde mental do idoso é tema do simpósio que a UEMS vai realizar nos dias 30 de novembro a 1 de dezembro. O objetivo é estimular a discussão no meio estudantil, na área da saúde e na comunidade. O evento será no auditório da UEMS, na Av. Dom Antônio Barbosa, 4.155. Para inscrição é preciso doar 1 kg de alimento não perecível. Informações pelo e-mail: [email protected] ou pelo telefone (67)99152-9390.