A corrupção no Brasil em âmbito nacional, principalmente no setor político, além da crise econômica que afeta a economia local, isso tudo canalizando para uma desconfiança geral e incertezas reverberaram negativamente em investimentos sociais que empresas internacionais mantinham em Campo Grande.
O fim do apoio está impactando diretamente o projeto educacional e de formação profissional que funciona há quase uma década na região do Dom Antônio Barbosa, um dos bairros de Campo Grande com maior vulnerabilidade social.
A escola Pau-Brasil, instalada na Rua Miraí, 700, no bairro Pioneiros, procura oferecer capacitação educacional e profissional para adolescentes e jovens entre 16 e 21 anos. Ela foi idealizada por dois suíços que descobriram a cidade há mais de uma década e fundaram o projeto, que é gerido pela organização não governamental (Ong) Gira Solidário - Promoção e Defesa da Infância e Adolescência, instituição criada em 2002.
A diretora da Ong, Eliane Brunet, confirma a situação delicada que o projeto e a instituição tem passado. Como os principais idealizadores da proposta são suíços, os recursos para manter a escola vinham de empresas do continente europeu.
"Os maiores patrocinadores do nosso programa de profissionalização, a Escola Pau-Brasil, sempre foram europeus. Foi por meio de patrocínios estrangeiros que conseguimos construir nossa sede, manter as aulas de marcenaria, e também o maquinário da marcenaria é fruto de doações estrangeiras. No Brasil, praticamente não temos patrocinadores", explica.
A escassez de recursos já atingiu a capacidade de atendimento no local. O projeto dura três anos e oferece ensino complementar de cidadania, português, matemática, estímulos lúdicos, atividades de lazer e conhecimento para transformar os alunos e alunas em profissionais da marcenaria, do design de móveis e do empreendedorismo.
Dos 12 alunos/ano que podem frequentar as aulas, as turmas precisaram ser diminuídas para seis participantes. O curso não está mais funcionando diariamente também porque falta dinheiro para arcar com custo dos materiais, equipamentos, vale transporte e alimentação. "O que temos não está conseguindo mais cobrir todos os custos", reconhece Eliane.
O JEITO É SE VIRAR
Na busca por verba para manter a Ong e seus projetos vivos para 2017, a diretoria criou o chamado crowdfunding para receber doações de qualquer parte do país. A meta é chegar aos R$ 50 mil, total que permite a sobrevivência do trabalho pelo próximo ano.
Por meio desse site, foi criado a campanha "Amigos da Escola Pau-Brasil e GIRA Solidário". Apesar desse "jogo de cintura" para tentar obter recursos, os apoios ainda são tímidos. Até 25 de novembro a proposta tinha recebido R$ 5.370 em doações. O prazo máximo para a proposta permanecer no ar é até 15 de dezembro.
O fotógrafo e fundador da Gira Solidário, Stephan Hoffmann, que criou o projeto da Escola Pau-Brasil com o arquiteto e mestre em marcenaria Alfred Lei, também tenta por outros meios retomar os apoios.
"Graças a um parceiro da Suíça, consegui uma passagem para poder viajar (para lá) e vou visitar possíveis patrocinadores e tentar reconquistar alguns", disse Hoffmann, logo que tinha chegado na Suíça, no final da semana passada.
"Apesar de toda a transparência com que atuamos desde 2002 em Mato Grosso do Sul, esses financiadores ficaram receosos. E também esperam que o empresariado nacional colabore para a formação e manutenção de projetos como o nosso, que visa preparar adolescentes e jovens para serem profissionais que ingressem no mercado de trabalho sendo profissionais de alto nível e cidadãos conscientes", indica a diretora da Gira, Eliane Brunet.
SUPERAÇÃO DIÁRIA
A longo de quase uma década e meia, a organização não governamental criada por Stephan Hoffmann procura combater a vulnerabilidade social que atinge crianças, adolescentes e suas famílias.
No início dessa instituição, a principal ação foi transformar a vida de 50 meninos e meninas de famílias ex-carvoeiras de Ribas do Rio Pardo. Na época, a exploração desse tipo de atividade fez com que várias pessoas vivessem em condições críticas, além da constatação de trabalho infantil.
A Escola Pau-Brasil surgiu depois, em 2007, como uma proposta de garantir outro caminho que não fosse o trabalho no lixão de Campo Grande, que na época estava aberto no bairro Dom Antônio Barbosa.
MUDANÇAS DE VIDA
De família de catadores, Jonaci Silva Moreira fez parte da escola por três, depois transformou-se em monitor das novas turmas e com o conhecimento de marceneiro profissional foi contratado por uma empresa da Capital que atua no ramo de design de móveis.
"Era só nós quatro na vida, eu, meu pai e meus irmãos. Minha mãe separou da gente. Meu pai foi para o lixão e eu precisei ir com ele também. Durante semana eu estudava e no final de semana ia para o lixão. Mas um dia apareceu o Stephan e o Fred na escola e falaram do curso. Eu não acreditei, porque pensei: 'o que esses estrangeiros queriam aqui no Brasil, com crianças pobres? Mas fui para o projeto", recorda Jonaci, hoje profissional reconhecido.
Hoje com 26 anos, ele deixou a escola há dois anos para dedicar-se exclusivamente ao emprego de marceneiro profissional. Ainda assim, espera que a ong consiga se manter em funcionamento. "Se não fosse eles, não estaria no mercado de trabalho e minha vida não seria como é", afirma.