O Supremo Tribunal Federal (STF) condena com veemência a censura à imprensa, considera transgressão à decisão suprema de proibir o impedimento de reportagens jornalísticas e ataca setores da magistratura que insistem em cercear a liberdade de expressão. Em Mato Grosso do Sul, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) não segue o entendimento da Suprema Corte e vem amordaçando o Correio do Estado sob pena pesada de multa para proteger o senador Delcídio do Amaral (PT), candidato a governador, das críticas e denúncias fundamentadas. Nem as repercussões de matérias publicadas em revistas ou jornais de circulação nacional escapam da censura. Nada se pode fazer contra Delcídio do PT, porque as críticas são consideradas ofensivas. O candidato petista ganhou direito de resposta de notícias reproduzidas pelo Correio do Estado da revista Veja e agências nacionais de notícias por serem consideradas inverídicas.
A Justiça concordou com a argumentação do senador petista que a notícia sobre o seu envolvimento na fraude da CPI da Petrobras não existe na revista Veja. Na reportagem, o senador foi apontado pela revista de ser peça-chave para orientar o seu amigo e ex-diretor da Petrobras, Nestor Ceveró, a falar na CPI. É só pegar a revista nº 2.385, página 59, para ver estampada a matéria citando Delcídio do PT de levar perguntas a Cerveró. Na página 62, cita o chefe do escritório da Petrobras em Brasília, José Eduardo Barrocos, falando sobre Delcídio do PT de ser encarregado de fazer aproximação com Cerveró. Nesta matéria (ao lado) tem a foto de Delcídio. O senador alegou ainda não existir no vídeo a menção de seu nome. A matéria sobre o vídeo está na página 59 da Veja. Para o TRE, esta matéria não existe.
Foto: Valdenir Rezende/Correio do Estado
No caminho oposto, o ministro Celso de Mello, em julgamento desta semana da reclamação nº 18.566 da revista Consultor Jurídico, criticou veementemente a decisão da juíza Fernanda de Carvalho Queiroz, da 4ª Vara Cível de São Paulo, de mandar retirar publicação que revelou a condenação do autor do espetáculo Edifício London, baseado no assassinato de Isabella Nardoni. Para Mello, a proibição de publicar matéria ou notícia sobre o processo (...) “configura, segundo entendo, clara transgressão ao comando emergente da decisão que esta Corte Suprema proferiu, com efeito vinculante, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130/DF”, determinando a proibição de censura a reportagens jornalísticas.
Na mesma decisão e em tom severo, Celso de Mello criticou a atitude de setores da magistratura de usar o poder geral de cautela para censurar a imprensa. “Preocupa-me o fato de que o exercício, por alguns juízes e tribunais, do poder geral de cautela tenha se transformado em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão, nesta compreendida a liberdade de imprensa. Ou, em uma palavra, como anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!” Na decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, sobre a censura a revista IstoÉ, também, entendeu ser do interesse público a publicação de matéria envolvendo autoridades em escândalos. A censura à revista foi feita pela juíza Maria Marleide Maciel Queiroz, de Fortaleza, ao determinar a retirada de circulação por publicar “fatos desabonadores” ao governador do Ceará, Cid Gomes (PSB).
Foto: Valdenir Rezende/Correio do Estado
Ao analisar a censura, Barroso avaliou que o caso se encaixava em uma série de parâmetros adotados para equilibrar se a liberdade de expressão prevalecia sobre direitos da personalidade. Segundo o ministro, a notícia não é deliberadamente falsa, o governador é uma figura pública e existe interesse público na divulgação de supostos crimes e de fatos relacionados à atuação de órgãos públicos. O ministro sugeriu a preferência por sanções a posteriori e não proibições prévias.
“As liberdades de expressão, informação e imprensa são pressupostos para o funcionamento dos regimes democráticos, que dependem da existência de um mercado de livre circulação de fatos, ideias e opiniões. Existe interesse público no seu exercício, independentemente da qualidade do conteúdo que esteja sendo veiculado”, escreveu Barroso na sua decisão à reclamação 18.638 da revista IstoÉ. Mas, em Mato Grosso do Sul, a autoridade pública está protegida pela Justiça Eleitoral com imposição de censura. O efeito vinculante da decisão do STF na ADPF 130/DF é ignorado pelo TRE-MS. Não há conhecimento, no entanto, do senador Delcídio do PT de ter requerido à Justiça Eleitoral pedido de direito de resposta à revista Veja até porque, talvez, alega não existir a matéria.