Advogado com especialização em Direito Público, ex-juiz eleitoral e professor, André Borges tem autoridade para lançar um olhar crítico sobre este período de eleição, principalmente com a realização de um segundo turno. Nesta entrevista, ele diz que o povo está cansado de promessas e que exige respostas concretas dos candidatos no que se refere a áreas como saúde, segurança, educação, entre outras. Opina sobre reeleição, votos nulos e brancos e a participação das mulheres no pleito.
CORREIO PERGUNTA - Estamos a praticamente uma semana do dia da eleição do segundo turno. Como o senhor analisa este período de reta final em busca de eleitores?
André Borges - Infelizmente, ao invés de divulgarem propostas, partiram para as ofensas, que em nada auxiliam o eleitor na escolha de um dos candidatos. Mas ainda é tempo para eles se corrigirem. Muita coisa precisa mudar no Estado e no Brasil. O momento é importantíssimo, exigindo seriedade e respeito para com o eleitor.
Quais pontos o senhor acredita que tanto os candidatos a presidente quanto ao governo estadual têm deixado de explicar ao eleitor?
Ideias concretas sobre o que fazer nos setores da saúde, educação, segurança, economia, criação de empregos, dentre outros. Precisamos de políticos dedicados ao trabalho e com a noção de moralidade. Estamos cansados de ser governados por preguiçosos e corruptos, que não são todos, mas, infelizmente, representam um número importante dos que estão por aí. Chega. Ninguém aguenta mais. Os problemas são muitos. Há que se concentrar neles. Lamentável é ver os políticos prometendo maravilhas, mas, depois de eleitos, tudo esquecem, parecendo que somos bobos.
Nas comparações entre PT e PSDB, diz-se de modo geral que o PSDB atende aos interesses do capital, do setor empresarial, ao passo que o PT atende aos interesses dos trabalhadores e tem uma agenda social, apesar de ter recebido várias críticas por desenvolver uma política econômica semelhante à do PSDB, a qual gera um impacto nas políticas sociais. Considerando essas questões, o que diferencia os partidos? Essas diferenças são reais ou fazem parte do imaginário coletivo.
Na verdade, os dois partidos, bem avaliados, defendem propostas muito próximas. Na atual conjuntura do Brasil, nenhum dos dois deixa de reconhecer a necessidade de manter projetos sociais, sem esquecer da economia, que anda muito mal. Sem uma economia forte e bem estruturada, cai o nível de emprego e, consequentemente, a renda do cidadão muito se reduz. O Brasil de hoje exige a participação de políticos decentes e com gosto para o trabalho, o que, infelizmente, é uma raridade.
Acha positiva a realização da 7ª eleição presidencial direta consecutiva, depois da redemocratização ?
Muito positiva. Demonstra que o Brasil está no caminho certo, que é o da estabilidade política, que cria um bom ambiente para os negócios e investimentos. E o bom é que, avaliando o primeiro turno da eleição presidencial, os 3 principais candidatos têm boa história política, inclusive de decência pessoal, mas com ideias distintas: Dilma, defendendo o Estado mais forte e intervencionista; Aécio propondo um modelo de livre mercado e de reorganização da economia; Marina sustentando a necessidade do realinhamento de forças políticas. Comparemos o Brasil com os vizinhos da América do Sul, onde ainda impera a desordem (com raras exceções). Estamos muito bem. É empolgante.
Mas os eleitores estariam preparados para entender bem essas propostas, fazendo a escolha certa ?
A maior parte não, por conta da fragilidade da educação brasileira, conforme todos reconhecem. Mas todos precisam se conscientizar de que o voto tem consequências, sempre sérias. Vejam o estado de quase abandono de Campo Grande, após uma frustrante eleição de prefeito recentemente cassado. Apesar do esforço do prefeito atual, pouco ele está podendo fazer para alterar os prejuízos causados à cidade. Nunca tinha ouvido falar de problemas financeiros no caixa da prefeitura de nossa cidade, notícias que agora são frequentes no noticiário. Vejam o atraso causado em Dourados, por conta, também, de um prefeito que por lá foi cassado no passado recente. Aí está a consequência de um voto errado.
O senhor se mostra crítico quanto à gestão pública em geral. Por quais motivos?
São vários. O que mais se faz no âmbito público é contratar pessoal. Só aumenta o número de servidores públicos. Mas serviços públicos de qualidade, prestados com eficiência, são raridade. A saúde pública continua desorganizada. A segurança é deficiente. A educação é uma vergonha, não só a pública, mas também a privada (veja os índices de reprovação no Exame da OAB, que provam que algumas faculdades de direito são um verdadeiro estelionato). Veja a despreocupação com a infraestrutura. A total letargia quanto a uma necessária reforma tributária, sempre prometida, mas nunca realizada. Mudanças urgentes, sempre prometidas, nunca efetivadas. E dinheiro não falta: a arrecadação de tributos só aumenta; veja os milhões gastos com publicidade estatal, muitas das vezes utilizada para enaltecer a figura do agente político, o que é absurdamente contrário à Constituição.
Foi elevado o número de votos nulos, brancos e de abstenções no 1º turno das eleições. Sabe o motivo disso?
Descrença generalizada da população nos políticos, que prometem muito e fazem pouco, além da corrupção, bastante disseminada.
Voltou a ser discutido o fim da reeleição para presidente, governador e prefeito. O que acha disso ?
Estou de pleno acordo. Reeleição é foco de corrupção e precisa acabar. Reeleição implica em inércia do Executivo, quando se aproxima o pleito (a imprensa noticiou, há poucos dias, que a Chefe do Executivo Federal foi ao Palácio do Planalto, para trabalhar, nos meses de agosto e setembro, apenas 5 vezes). Bastaria ampliar os mandatos no Executivo para 5 anos. E mais: é urgente a unificação das eleições. Sai muito caro para nós, contribuintes, custear eleições a cada 2 anos. São muitos milhões gastos no assunto, que poderiam ser destinados a setores de maior necessidade.
Outras alterações seriam necessárias na legislação eleitoral ?
Com certeza. Uma delas é o tema do quociente eleitoral, que, se implica em fortalecimento dos partidos, afasta da vida política alguns que tiveram boa atuação no cenário político, conseguiram bom número de votos, mas perderam a vaga para outros candidatos muito menos votados (exemplo aqui no Mato Grosso do Sul é o Deputado Fábio Trad, que teve boa atuação na Câmara Federal). Uma boa solução seria o sistema distrital misto, em que 50% dos parlamentares são eleitos por maioria simples e direta em seu distrito eleitoral, ficando sob forte controle de seu reduzido número de eleitores; e a outra metade é indicada pelos partidos políticos, em lista fechada, também sob forte controle dos ideais e objetivos políticos de sua legada. Além disso, a legislação eleitoral precisa ser consolidada num único documento (Código Eleitoral), porque hoje são várias leis regulando o mesmo tema eleitoral, o que causa confusão e beneficia aqueles que praticam ilícitos.
E a questão do número mínimo de mulheres ocupando cargos políticos, tem sido alcançado ?
Infelizmente não. A lei exige 30% no mínimo de mulheres candidatas a cargos políticos. Mas, na prática, este percentual é computado a partir do simples pedido de registro eleitoral e não a partir dos registros já deferidos pela Justiça Eleitoral. Ou seja: a exigência legal, que precisa ser aprimorada, acaba não surtindo o efeito desejado. Em 2010, apenas 45 mulheres foram eleitas para Deputadas Federais, o que representa só 9% do total. É uma pena, porque, assim como em várias outras situações, as mulheres, de um modo geral, são bem mais honestas, decentes e dedicadas ao trabalho do que os homens.
Sempre são criadas novas leis no Brasil, mas muitas não são cumpridas. Não acha que o ideal é se esforçar para cumprir as leis já existentes?
Absolutamente sim. Também não acredito no poder mágico das leis. Muitas delas não são cumpridas no Brasil (dá para começar pela Constituição, das leis a mais importante). Veja o caso da Lei Federal 12.732/12, que obriga o início do tratamento do câncer, na rede pública, em 60 dias a partir do diagnóstico. Duvido muito que ela esteja sendo integralmente cumprida. Um bom local para se viver não se faz só com leis boas, mas, principalmente, com cidadãos cumpridores das obrigações morais e legais, o que se vê pouco no Brasil.
O senhor defende o financiamento público ou privado nas eleições?
Na atualidade, as campanhas são financiadas, na maior parte, por empresas com interesses em contratos com o governo. Só alguém muito ingênuo acredita que essas doações são desinteressadas. Ademais, o custo das campanhas no Brasil é um dos maiores do mundo, e isto num pais pobre. Algo precisa ser mudado. O financiamento público pode ser algo interessante, mas o tema é bastante complexo, exigindo bastante reflexão, especialmente porque nós, contribuintes, é que vamos pagar.